Com 21 pessoas sentadas no banco dos réus do STF (Supremo Tribunal Federal) por uma tentativa de golpe de Estado, a divulgação de novos áudios sobre a trama golpista tem potencial para frear os movimentos recentes para fragilizar os processos abertos contra o grupo e, em última instância, garantir a anistia a Jair Bolsonaro (PL).
Tornadas públicas pela corte na quarta-feira, 14, as mensagens de voz do policial Wladimir Soares relatam a atuação de um grupo armado e disposto a “matar meio mundo” para manter o ex-presidente no poder após a derrota nas eleições de 2022. Neste texto, a IstoÉ mostra como os novos materiais impactam a estratégia bolsonarista.
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Ânimos instáveis
Em 7 de maio, dias antes da divulgação dos áudios, um projeto para suspender as ações penais contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), um dos 34 denunciados pela trama golpista, foi aprovado no plenário da Câmara com os votos favoráveis de 315 parlamentares.
A suspensão se baseou na prerrogativa da imunidade parlamentar — os processos interrompidos dizem respeito a atos cometidos pelo ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) após a diplomação no Congresso — e, portanto, não abarcava os demais suspeitos, mas lideranças bolsonaristas projetavam estendê-la. “Mais uma farsa desmoronando”, disse Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder da bancada da sigla, na ocasião.
O Supremo, no entanto, levou apenas dois dias para formar maioria pelo entendimento de que Ramagem ficaria livre de apenas duas ações penais e outros indiciados não seriam alcançados pela suspensão.

Alexandre Ramagem: suspensão de ações contra deputado animou bolsonarismo
Dias depois, a publicização dos áudios de Wladimir Soares impuseram uma nova barreira aos ânimos bolsonaristas, gerados pela expectativa de desarmar as punições pela trama golpista. Nas mensagens, o policial disse ter integrado um grupo armado para defender a manutenção de Bolsonaro no poder, relata a disposição para execuções e a espera pelo “ok” do então mandatário.
Embora o conteúdo já integrasse o arcabouço de provas que embasou as denúncias da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra os supostos golpistas, a divulgação corroborou com uma das linhas mais pesadas do processo contra eles: a do “Punhal Verde e Amarelo“, plano que previa as execuções do presidente Lula (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro do Supremo Alexandre de Moraes para consolidar a ruptura institucional.
Marques integrava o “núcleo 3” do plano, que segundo os policias era responsável pelo planejamento das ações mais violentas — caso dos “kids pretos”, integrantes das Forças Especiais do Exército. Esse é o único grupo que ainda não teve as denúncias julgadas pela Primeira Turma da Corte, o que ocorrerá a partir de 20 de maio. Em caso de acolhimento do material, seus 13 integrantes se tornam réus e poderão ser condenados a mais de 43 anos de prisão pela soma dos delitos.
Caminho ao lado
Em meio ao processamento penal de Bolsonaro e 20 parceiros, fato consolidado, os parlamentares de seu partido trabalharam com a alternativa solitária do Projeto de Lei da Anistia, que propõe livrar os mais de 500 condenados pela invasão às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, das penas aplicadas pelo STF. A proposta apresentada na Câmara não inclui os denunciados pela incursão golpista, mas o ex-presidente e aliados não escondem que o objetivo é “abrir caminho” para isentar o ex-presidente.
Sem sinal de avanço no Congresso e com o potencial corrosivo dos novos áudios obtidos pela PF, o projeto ganhou “concorrência interna” pela causa com um texto alternativo do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) — patrocinado pela articulação de Davi Alcolumbre (União-AP), presidente do Senado –, que trabalha com a redução das penas. A avaliação difundida é de que ele representa um “caminho do meio” entre as duras punições do Judiciário e o perdão irrestrito proposto pelo bolsonarismo.
Vieira propõe que, quando cometidos em conjunto, os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado podem ser fundidos, reduzindo o tempo de prisão dos invasores — que, nos casos mais graves, chega a 17 anos e meio. Além disso, prevê penas menores para aqueles que agiram sob influência na multidão, e não planejaram a invasão.
Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, o emedebista disse que o PL não tem “qualquer intenção de evitar a responsabilização criminal” dos envolvidos no 8 de janeiro, mas que é necessário “distinguir quem teve atuações diferentes” nos atos.
A soma das penas — por golpe de Estado e abolição violenta — também está inscrita na discussão sobre o julgamento dos réus pela trama golpista, que têm os dois delitos em suas cartilhas de acusação.
Ao votar pela abertura do processo criminal contra o grupo, o ministro Luiz Fux já levantou essa carta — e foi, depois, elogiado pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) –, que pode ganhar novo argumento em caso de aprovação do texto de Vieira. Com novas evidências do nível de violência por trás da tentativa de ruptura, qualquer outra proposta parece ainda mais distante de evoluir no Parlamento.

Alessandro Vieira: senador é responsável por texto alternativo ao PL da Anistia
Para a bancada bolsonarista, no entanto, o caminho ainda é “esticar a corda” pela proposta original. À IstoÉ, o deputado Eros Biondini (MG) afirmou “não haver projeto alternativo que corrija essa injustiça e até essa crueldade, já que tivemos a morte do Clesão e pessoas inocentes presas por anos, humilhadas com penas maiores do que para traficantes e estupradores” e projetou que os colegas manterão a posição atual.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), negou a urgência na tramitação do PL da Anistia na Casa, mas tem feito críticas ao que vê como uma postura excessiva do Judiciário e, durante participação em um evento promovido por PlatôBR e Brazil Journal em Nova Iorque, disse ver chances de Bolsonaro concorrer em 2026.