O Brasil não é apenas o país da piada pronta, mas, também, o país da tragédia pronta. Há décadas, senão séculos, nos acostumamos com o bafo da morte em nossos cangotes. Aqui e ali, bem pertinho de nós, sempre de prontidão, o anjo da foice: ora sob a forma de acidentes de trânsito, ora sob a forma de assassinatos, ora sob a forma de desabamentos, ora – e cada vez mais – sob a forma do abandono dos mais pobres à própria sorte.

Por aqui, morre-se de tudo um pouco: morre-se de dengue e de chikungunya; em brigas de trânsito e de torcida; em palafitas e em encostas; em favelas e nas ruas; por latrocínio e por tráfico. Morre-se até por ser gay ou mulher, vejam só que pecado capital. Mas morre-se, sobretudo, pela inação do Estado. Pelo descaso sucessivo dos três Poderes, em todas as esferas (municipal, estadual e federal), por aqueles servis e dispensáveis brasileiros.

O novo coronavírus chegou para expor, de forma ainda mais nua e crua, a realidade do desprezo que governantes têm por todos os idiotas que lhes sustentam a vida maravilhosa que levam, regada a salários exorbitantes, benefícios inimagináveis, estabilidade profissional e econômica eternas, saúde e segurança de primeira – e gratuitas -, e até certos mimos ainda mais infames, como babás e escolas para os filhos, ou melhor, hereditários.

Enquanto milhares de pobres padecem por falta de atendimento hospitalar – e repito: a Covid-19 está apenas escancarando essa realidade – , os poderosos são prontamente atendidos (e reembolsados, por nós, de todos custos) em hospitais de classe mundial. Em Manaus, ápice da nossa tragédia como nação, os eternos abandonados agora morrem sufocados, como se estivessem se afogando, por falta de cilindros de oxigênio.

Em Brasília, citada aqui apenas como o exemplo máximo da podridão, não faltam carros blindados, com motoristas e segurança para os figurões do Congresso. Não faltam espumantes importados nem lagostas para os togados do STF. Não faltam palácios, aviões, helicópteros, lanchas e jet skis para o presidente se divertir e abusar da sua psicopatia-negacionista-populista-ignorante-e-indecorosa em relação à gripezinha.

Tal quadro se repete em cada um dos estados e em grande parte dos 5.570 municípios Brasil afora. Só as cidadezinhas bem miseráveis não conhecem a luxúria do poder às custas dos miseráveis. Toda vida importa para alguém. Toda morte é lamentada por alguém. Pouco importam as circunstâncias, das mais cruéis e repentinas às mais esperadas e naturais. Mas morrer por falta de um mísero cilindro de oxigênio em um hospital público, ultrapassa as raias da realidade.

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Sorria, Bolsonaro! Sorriam, todos vocês que apoiam o negacionismo e a política genocida deste maníaco da cloroquina. Sorriam, senhores governadores e prefeitos; deputados e senadores; desembargadores e ministros. Sorriam, empresários corruptos e lobistas oportunistas. Sorriam, eleitores idiotas, que tratam políticos – qualquer político – com idolatria e servidão. Enquanto vocês sorriem, felizes, mais de 200 mil famílias choram seus mortos.


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