O que é o ‘Missão’: a história do MBL da militância contra Dilma ao partido próprio

Registro no TSE consolida possibilidade de nova face do conservadorismo enfrentar Lula nas urnas em 2026

Luma Venâncio/IstoÉ
Kim Kataguiri, Renan Santos e Arthur do Val Foto: Luma Venâncio/IstoÉ

A criação do Partido Missão, oficializada com o registro no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em 4 de novembro de 2025, soma à direita brasileira mais um braço de atuação. Fundada pelo MBL (Movimento Brasil Livre), é a 30º sigla do país e se apresenta como a “nova face” do conservadorismo.

Da atuação na militância pelo impeachment da petista Dilma Rousseff até a relação antagônica com apoiadores de Jair Bolsonaro (PL), os integrantes do grupo se espalharam por outras legendas (União Brasil, na maioria dos casos) e colecionaram contradições para ocupar cargos no Legislativo.

Com a garantia institucional e o número 14 nas urnas, no entanto, os planos incluem até a candidatura presidencial de Renan Santos sem a necessidade de arranjos partidários. Neste texto, a IstoÉ remonta os principais capítulos dessa transformação.

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Forjado por jovens insatisfeitos

Um dos fundadores do MBL, Renan Santos, 2016 - Foto: reprodução/Facebook

Um dos fundadores do MBL, Renan Santos, 2016 – Foto: reprodução/Facebook

O MBL surgiu como parte de um contexto considerado por pesquisadores o início da expansão da extrema-direita brasileira que, anos mais tarde, alçaria Bolsonaro à Presidência da República. Em 2014, cinco garotos — Alexandre e Renan Santos, Kim Kataguiri, Frederico Rahu e Gabriel Calamari — se reuniram para militar com um objetivo claro: mobilizar protestos pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

Ancorados em ideias liberais e conservadoras, eles pertenciam à geração de jovens insatisfeitos com partidos, sindicatos e lideranças políticas tradicionais. Uma das principais marcas dessa tendência foi o antipetismo e o antiesquerdismo, demonstrados mais claramente nas manifestações de junho de 2013.

Distante de partidos de quaisquer espectro, o MBL condensou bandeiras como a luta contra corrupção e a crítica ao uso assistencialista do Estado. Liderado por jovens de classe média, atraiu rapidamente integrantes do mercado financeiro e pequenos empresários, que enxergavam no movimento uma síntese da ideologia liberal.

  • Liberalismo – corrente de pensamento que defende a liberdade individual como valor central, sustentando que o papel do Estado deve ser limitado apenas à garantia de direitos fundamentais. No campo econômico, prega o livre comércio e a concorrência, sob o princípio de que o mercado se regula de forma autônoma, sem necessidade de intervenção estatal.

Já com posição consolidada em manifestações, o movimento elegeu oito de seus integrantes — um prefeito e sete vereadores — no pleito de 2016. A presença aumentou nas eleições gerais de 2018, quando Kim Kataguiri chegou ao Congresso Nacional.

A busca do MBL por uma legenda para chamar de sua começou em 2023. A articulação só ofereceu resultado dois anos depois, com a conquista de 590 mil assinaturas a favor da criação do Missão. O pedido foi admitido ao TSE em julho de 2025 e aprovado por unanimidade em novembro.

No intervalo, lideranças do movimento apoiaram a candidatura de João Doria (então no PSDB) à prefeitura de São Paulo; em 2016, apoiaram a chegada de Bolsonaro ao Palácio do Planalto e, em 2022, flertaram com a candidatura frustrada do ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro, ao governo federal — hoje ele é senador pelo Paraná.

As caras do ‘novo conservadorismo’

Algumas figuras associadas ao MBL ganharam maior visibilidade pública como representantes do grupo. São os casos de Renan, Kataguiri, do ex-deputado estadual Arthur do Val e da vereadora Amanda Vettorazzo (União Brasil-SP). Mesmo o apresentador e humorista Danilo Gentili chegou a ser cogitado como possível candidato à Presidência no grupo, quando o Partido Missão começava a ganhar forma, em janeiro de 2025.

Ligado à direita mas distante do bolsonarismo, Gentili alimentou especulações sobre uma eventual entrada na política. Na ocasião, Kataguiri chegou a tecer elogios ao comediante, descrevendo-o como “um dos nomes mais fortes e bem alinhados com as nossas ideias”.

Kim Kataguiri

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Hoje no União Brasil, Kataguiri é um dos fundadores e principal rosto do MBL. Ganhou notoriedade durante as manifestações contra Dilma e consolidou sua imagem como representante da nova direita liberal.

Deputado federal por São Paulo desde 2019, defende pautas ligadas à liberdade econômica e à redução do Estado. Também acumula controvérsias, declarações consideradas insensíveis em redes sociais e embates com outros grupos da própria direita. Hoje, é o nome mais conhecido do MBL e peça-chave na transição do movimento para partido político.

Arthur do Val (Mamãe Falei)

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Do Val, conhecido como “Mamãe Falei” devido ao seu canal no YouTube, é ex-deputado estadual por São Paulo e figura das mais midiáticas do MBL. Oriundo da internet, onde produzia vídeos críticos ao PT e à esquerda, construiu uma imagem de político combativo e popular entre eleitores antipetistas.

Sua trajetória, no entanto, foi marcada por uma das maiores crises do movimento: em 2022, durante viagem à Ucrânia, vazaram áudios com comentários sexistas sobre refugiadas, o que levou à cassação de seu mandato na Assembleia Legislativa paulista e afastamento da vida política institucional.

Renan Santos 

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Possível presidenciável do Missão, Renan Santos é cofundador do MBL e responsável pela estrutura organizacional e transição de grupo para legenda. Até então, não esteve entre as figuras mais midiáticas, preferindo aparições por meio das redes sociais, atuando nos bastidores e sendo apontado como estrategista do movimento.

Sua trajetória, contudo, vem acompanhada de polêmicas: foi um dos alvos do bloqueio de páginas do MBL pelo Facebook, acusado de administrar uma rede de desinformação, e já respondeu por acusações de fechamento fraudulento de empresas, dívidas fiscais, fraude contra credores, calote em pagamento de dívidas trabalhistas e ações de danos morais.

Amanda Vettorazzo

Amanda Vettorazzo

Vettorazzo é vereadora de São Paulo e atual coordenadora nacional do MBL. Eleita em 2024 com expressiva votação, representa a tentativa do grupo de ampliar sua presença nas câmaras municipais e atrair eleitorado jovem e feminino. Com formação em Gestão Pública e pós-graduação em Cidades Inteligentes, Amanda já se envolveu em disputas públicas e sofreu ameaças após um entrevero com o rapper MC Oruam

Os dissidentes

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Lucas Pavanato e Fernando Holiday – Foto: reprodução/Facebook

Como todo partido político, o Missão nasce com a ala de dissidentes previamente gestada. É o caso de Fernando Holiday (PL), que entrou no MBL ainda muito jovem, com cerca de 18 anos, e se tornou um dos principais porta-vozes do grupo durante os anos de consolidação. Ele também foi o primeiro integrante a entrar para a política formal, eleito pelo DEM (atual União Brasil, após fusão com o PSL) em 2016 como vereador de São Paulo.

A partir de 2020, surgiram divergências internas entre Holiday e outras lideranças do grupo, principalmente em torno da relação do grupo com o bolsonarismo e questões LGBTQIAP+ e antiaborto. Em 2021, ele anunciou oficialmente sua saída do MBL, alegando disparidades ideológicas e estratégicas.

Caso similar é o do vereador Lucas Pavanato (PL). Também da capital paulista, ele chegou a estagiar no gabinete de Holiday em 2018 e juntou-se ao MBL pela identificação com pautas conservadoras e de direita. A lua de mel não durou muito e, a partir de 2021, o parlamentar passou a se distanciar do grupo.

Pavanato disse à IstoÉ que o motivo do rompimento se deu pela organização “centralizada e autoritária” do movimento e que o MBL “abandonou abertamente os princípios liberais e conservadores que tinha no começo, adotando atualmente um posicionamento nacionalista e estatista”.

“Ter um partido não basta. Se não elegerem parlamentares o suficiente, serão uma espécie de PCO [Partido da Causa Operária]. O tempo dirá”, concluiu Pavanato.

Queima de pontes

Ainda no período anti-Dilma, a organização se armou de ofensas misóginas e machistas em protestos contra a então chefe do Executivo. A petista afirma ter sido chamada de “burra” e “vagabunda” por integrantes do movimento e critica o “silêncio generalizado” de outras lideranças diante do ocorrido.

Pouco depois, em 2017, o grupo se envolveu em uma nova polêmica ao se opor à exposição de arte Queermuseu, em Porto Alegre, que possuía temáticas LGBTQIAP+. Na mesma ocasião, eles ainda foram contra a performance artística La Bête e a passagem da filósofa feminista Judith Butler em São Paulo. Anos após o ocorrido, o coordenador Renan Santos reconheceu “exagero” por parte do MBL.

As maiores crises de imagem, porém, vieram em 2022. Em fevereiro, Kataguiri foi alvo de pedidos de cassação depois de afirmar, em entrevista ao podcast “Flow”, que a Alemanha se equivocou ao criminalizar o nazismo. Após a repercussão amplamente negativa, o parlamentar pediu desculpas.

No mês seguinte, outro episódio atrapalhou a credibilidade do grupo: áudios vazados de Arthur do Val expuseram falas machistas contra mulheres ucranianas. Durante viagem ao país europeu sob pretexto de cobrir a guerra contra a Rússia, disse que as refugiadas que encontrou eram “fáceis porque eram pobres”.

A fala rendeu a Arthur a cassação do mandato na Alesp por quebra do decoro parlamentar, além de seu afastamento temporário dos holofotes do MBL. À IstoÉ, ele afirmou ter tomado distância temporária por perceber que “um erro individual estava prejudicando o resto do movimento”.

“Me afastei porque eu estava radioativo, prejudicando o meu movimento. Mas isso foi contra a vontade deles [integrantes do MBL], e essa distância não durou nem três meses”.

Em outubro de 2025, o mesmo ex-parlamentar afirmou que os 121 mortos deixados pela megaoperação contra o Comando Vermelho, no Rio de Janeiro, se devem ao fato de que “as mães de criminosos organizados falharam enquanto mães”. Em transmissão ao vivo, ele afirmou que elas escolheram “o famoso moreno alto com cara de bandido” e “não souberam criar os seus filhos”. As declarações geraram forte repercussão e o MPF (Ministério Público Federal) recebeu representação para investigá-lo por suposta prática de racismo.

Do like ao voto

Ainda que troquem críticas, bolsonaristas e o MBL compartilham uma forte capacidade de mobilização de jovens e o domínio da linguagem das redes sociais. Segundo o consultor político Wilson Pedroso, o “Wilsinho”, que já atuou nas campanhas eleitorais de João Doria e Pablo Marçal (PRTB), a ascensão do movimento coincidiu com a explosão do Facebook como arena política e a migração de debates para YouTube, Instagram e Twitter.

Os integrantes do grupo se apropriaram da estratégia de transformar notícias em narrativas — não apenas comentando fatos, mas “gerando pautas, enquadramentos próprios e obrigando imprensa e partidos a reagirem”. O MBL é o pioneiro e o laboratório original dessa nova direita digital no Brasil. Ele foi o primeiro grupo político a profissionalizar o uso das redes sociais com uma linguagem popular, estética jovem e narrativa de combate ao sistema”, explicou.

Ao contrário das estruturas partidárias tradicionais, que dependem de hierarquia e diretórios, a direita digital opera em rede descentralizada, conectando influenciadores, páginas temáticas e perfis regionais com a mesma mensagem, mas em diferentes linguagens.

De acordo com Pedroso, essa comunicação dá ao eleitor a “sensação de estar participando da política” por meio de curtidas, compartilhamentos e comentários. “Eles substituíram discursos longos por mensagens rápidas, visuais e cheias de personalidade, mais próximas de uma conversa do que de um comício. Essa informalidade seduz e aproxima“, afirmou à IstoÉ.

A missão do Missão

A proposta do partido é se consolidar como uma nova vertente da direita brasileira, sem associação com as agremiações tradicionais. Um dos principais articuladores da nova legenda, Kataguiri disse à IstoÉ que não há “nenhuma liderança atual que tenha paralelo com a visão de mundo” de seu grupo.

Segundo o deputado, a opção por “Missão” em detrimento do uso da própria sigla do movimento, mais conhecida, se deve a um esforço para manter ambos em funcionamento. “Queremos que o MBL continue existindo como movimento de rua e nosso braço cultural e intelectual. Separar o institucional da militância”, afirmou.

Conforme explicam os integrantes da organização, a síntese de sua missão está no “Livro Amarelo”. No site oficial do partido, são apontados como valores fundamentais: fim dos privilégios do funcionalismo, endurecimento das leis penais, guerra contra o tráfico de drogas, combate à corrupção, à poluição e ao desmatamento, aumento da qualidade da saúde e priorização da educação para todos.

Arthur do Val resumiu as pretensões do partido em um esforço pela consolidação como representante da direita brasileira pós-Bolsonaro. “Nessa campo da direita, com o bolsonarismo moribundo e uma série de oportunistas querendo brigar pelo espólio, há um espaço para a gente crescer muito“, disse à IstoÉ.

O Missão garante que, entre outras candidaturas que serão construídas, em 2026 concorrerá pela Presidência da República, com Renan Santos, e pelo governo do Rio de Janeiro, com o bombeiro Rafael Luz.