Com a menor taxa de fertilidade do mundo, país asiático vê população migrar para arranjos menos tradicionais de família. A cada ano cresce número de sul-coreanas que optam por ter filhos sem a figura paterna.A Coreia do Sul vive uma crise demográfica, mas há um segmento específico da sociedade com mais bebês no que nunca – famílias de mães solteiras.

O país asiático de cerca de 51 milhões de habitantes viu sua taxa de natalidade atingir o menor nível da história em 2023. É visto como uma sociedade conservadora e de mentalidade tradicional, mas analistas sugerem que uma mudança gradual está acontecendo entre as gerações mais jovens na Coreia moderna, com mudanças de atitude em relação a casamento, trabalho e família.

Ao mesmo tempo, os coreanos mais velhos se apegam ao que consideram ser os padrões adequados.

"Há um preconceito profundamente arraigado contra as mulheres que se tornam mães fora do casamento na sociedade coreana", disse Hyobin Lee, professora adjunta de política e ética na Universidade Nacional de Chungnam.

"Na Coreia, uma mulher que tem um filho sem estar casada é vista como alguém sem defesa; ela é automaticamente vista como culpada", disse à DW. "Essa não é apenas a atitude em relação às mães solteiras, mas também em relação às mulheres divorciadas e viúvas, que são frequentemente desprezadas e estigmatizadas na sociedade coreana tradicional."

Uma em cada 20 crianças nascidas fora do casamento

"Essas mulheres eram frequentemente consideradas menos desejáveis para um novo casamento e, em alguns casos, os pais da mulher registravam a criança em seu próprio nome para esconder a verdade", explicou a pesquisadora. "Essas mulheres eram rotuladas como 'soltas' ou 'mulheres com um destino difícil', o que implicava que deveriam ser evitadas."

"É interessante notar que houve pouca ou nenhuma crítica dirigida aos homens envolvidos nessas situações", destaca Lee . "Em uma sociedade tão patriarcal, o estigma contra crianças nascidas fora do casamento parecia inevitável."

Mas os números mais recentes do governo indicam que esse tabu não é tão forte como antes.

Dados divulgados em 28 de agosto pelo Statistics Korea mostraram que apenas 230 mil bebês nasceram em todo o país em 2023, uma queda de 7,7% em relação ao ano anterior. Trata-se do número mais baixo desde que os dados foram coletados pela primeira vez, em 1970.

A taxa de fertilidade, ou o número médio de filhos que uma mulher terá durante sua vida, também caiu para um novo mínimo de 0,72, em comparação com 0,78 em 2022. Assim, a Coreia do Sul é o país com a menor taxa de fertilidade dentro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Para garantir que a população da Coreia do Sul permaneça estável, a taxa de fertilidade precisa estar em 2,10.

Na contramão das estatísticas, houve no ano passado um recorde de partos de mulheres que não estavam casadas nem em um relacionamento estável. Foram 10,9 mil bebês nessa configuração familiar, o que representou 4,7% do total. Em 2021, foram 7.700 nascimentos fora do casamento, e em 2022, 9.800.

Divórcio bilionário impulsionou mudança social

Relacionamentos casuais se tornaram mais comuns na Coreia do Sul, em parte devido à polarização econômica, que torna mais difícil para os jovens encontrar empregos bem remunerados e, posteriormente, constituir família.

Um estudo publicado no ano passado apontou a Coreia do Sul como o país mais caro do mundo para criar filhos. A mudança nos costumes sociais também inclui mais divórcios, inclusive os que envolvem casais famosos e ricos, cujas separações tumultuadas são escancaradas na mídia, geralmente com alegações de infidelidade.

Em maio, um tribunal de Seul ordenou que o empresário Chey Tae-won, que comanda o conglomerado SK Group, pagasse 1,38 trilhão de wons (cerca de R$5,8 bilhões) em propriedades, além de pensão alimentícia de 2 bilhões de wons (cerca de R$8,4 milhões) à sua ex-exposa, Roh Soh-yeung, no processo de divórcio mais caro da história do país. Em 2015, Chey admitiu ter uma nova parceira e um filho fora do casamento, o que desencadeou nove anos de processos e recursos, até a decisão final dos tribunais.

"O caso está na mídia há muitos anos e, para mim, começou a mudar a percepção do público sobre o casamento na Coreia", disse à DW o professor de direito Park Jung-won, da Universidade de Dankook.

A professora Lee, da Universidade Nacional de Chungnam, indica outros possíveis pontos de inflexão. Em 2020, Sayuri Fujita, personalidade da televisão japonesa com grande número de seguidores na Coreia do Sul, confirmou que seu filho recém-nascido foi concebido por meio de inseminação artificial e que ela não era casada.

Teve ainda o caso de uma participante do programa "I am Solo" – reality show de sucesso na Coreia do Sul em que homens e mulheres buscam por um parceiro –que disse ser mãe solo de um filho que decidiu conceber com um ex-namorado.

Pais solteiros têm prioridade para creche e moradia

"Histórias como essa não são mais desconhecidas na sociedade coreana", disse Lee. "Algumas mulheres querem ter um filho, mas não conseguem encontrar um parceiro adequado, ou engravidam durante um relacionamento e optam por ter o filho e criá-lo sozinhas."

E mesmo que o termo coreano para uma criança nascida fora do casamento – "horojasik" – ainda seja comumente usado como um insulto, Lee já vê a mudança de atitudes se transformar em políticas públicas.

"Com a taxa de natalidade chegando ao fundo do poço nos últimos anos, uma série de políticas de bem-estar social está sendo implementada para apoiar crianças de famílias monoparentais", disse ela. Entre elas, estão a redução de impostos e a concessão de prioridade a filhos de pais solteiros quando se candidatam a creches ou jardins de infância, bem como quando se candidatam a moradias públicas.

"No passado, as políticas de bem-estar social se concentravam principalmente em incentivar as taxas de natalidade em famílias 'felizes' e 'normais'", disse Lee. "No entanto, agora há um esforço maior para incluir e apoiar as famílias em que os filhos nascem fora do casamento."