Um jogo de xadrez com lances desleais. Foi assim que um observador político com trânsito no Congresso descreve a busca do Centrão por mais espaço no governo e as tentativas deste de conter o ímpeto de parlamentares por nacos maiores do Orçamento em 2024. Nesta disputa, o presidente da Câmara, Arthur Lira, aparece como principal jogador, tomando a dianteira nas iniciativas e tendo como alvos três importantes ministros do governo:
• Alexandre Padilha (Secretaria das Relações Institucionais);
• Fernando Haddad (Fazenda);
• Nísia Trindade (Saúde).

Os movimentos de Lira nas últimas semanas têm sido recheados de recados para o Palácio do Planalto por conta da cobrança que vem sofrendo de parlamentares sob sua influência: a demora na liberação de verbas destinadas às chamadas emendas parlamentares contidas no Orçamento.

Na peça orçamentária para este ano, Lula cortou R$ 5,6 bilhões de R$ 16 bilhões à disposição dos congressistas. No discurso de abertura do ano legislativo da Câmara dos Deputados, na segunda-feira, 5, Lira foi direto e duro: cobrou o cumprimento de acordos firmados em 2023, mirando Padilha, e pediu “mais respeito aos parlamentares” na condução da política orçamentária. “O Orçamento é de todos, não é apenas do Executivo. Não fomos eleitos para carimbar as decisões do governo”, disse o deputado.

Padilha será mantido

O clima ficou tão ruim que provocou o cancelamento de uma reunião entre líderes de partidos na Câmara, Haddad e Padilha na terça-feira, 6.

O presidente da Câmara fez chegar aos participantes que não estaria presente, demonstrando explicitamente a sua insatisfação com a falta de solução na questão das emendas. A deputados aliados, Lira não cansa de criticar Padilha, responsável pela articulação política do governo, que não teria cumprido os acordos de liberação de verbas firmados no ano passado.

Diante do que considera falta de vontade política, o presidente da Câmara falou abertamente em pedir a demissão de Padilha ou, ao menos, a troca de interlocutor político do governo com o Congresso.

Diante do impasse, não se sabe quando haverá novo encontro de Haddad e Padilha com os deputados. “Precisa haver clima e mais diálogo para desatar esse nó”, comentou um deputado próximo de Lira e que pediu para não ser identificado.

A questão compromete outras discussões, como a da desoneração da folha de pagamento, aprovada pelo Congresso, vetada por Lula, restabelecida pela derrubada do veto e, finalmente, truncada pela edição de uma Medida Provisória mudando as regras fiscais. Por tabela, a crise das emendas atinge também Fernando Haddad, que é contra a prorrogação da desoneração.

“O Orçamento é de todos, não é apenas do Executivo. Não fomos eleitos para carimbar as decisões do governo.”
Arthur Lira, presidente da Câmara

Lidando com uma crise por vez, Lula decidiu que Padilha será mantido como ministro e na condução da articulação política do governo. Entende que ele é uma peça importante na interlocução com os parlamentares, por mais que ele próprio, de vez em quando, reclame publicamente da “articulação política”.

Dependendo do ponto de vista, a manutenção de Padilha é um recado aos deputados de que o governo não cederá à pressão, já que quem determina demissões ou nomeações no Planalto é o presidente. Lula achou que a pressão de Lira sobre o governo trata-se de “chantagem”. E afirma que não vai ceder.

Ele deseja impor limites às pretensões de Lira. Ao mesmo tempo, o presidente voltou a falar em restabelecer o diálogo, mas com Padilha à frente, pois este cumpre rigorosamente suas determinações, como ditar o ritmo das liberações das emendas. Lula não abre mão desse “poder”, que Lira quer retirar-lhe.

Enquanto o governo tenta um apaziguamento, com o deputado federal José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara, buscando um entendimento com Lira, Padilha procura se mostrar sereno e em “posição olímpica”. Negou qualquer mal-estar e afirmou que o governo e o Congresso repetirão a “dupla de sucesso” do ano passado.

Ataques à nísia

Paralelamente, os governistas vêem os movimentos de Lira como uma indicação de que a negociação sobre a continuidade da desoneração da folha de pagamento será muito dura, já que há insatisfação também com Fernando Haddad por conta da posição do governo.

Lira, contudo, ampliou o movimento de ataque, incluindo a ministra da Saúde, Nísia Trindade, em suas investidas. O presidente da Câmara responsabiliza a ministra pelo travamento da liberação de verbas de sua pasta e pediu a ela que esclareça os critérios de pagamento das verbas na Saúde.

Nísia não respondeu aos ataques, mas o senador Humberto Costa (PT-PE) manifestou indignação às críticas. “Não podemos aceitar essa inversão de papéis em que o Congresso estrangula a pauta de votações se não tiver o controle do Orçamento da União.”

Interlocutores do governo enxergam nas fortes críticas de Lira à pasta da Saúde uma iniciativa para mostrar que o governo Lula está emparedado e dependente da força do seu grupo no Congresso, que começa a formar maioria para eleger, no ano que vem, o seu candidato a presidente da Câmara, o deputado Elmar Nascimento. O jogo só está começando.