Dono da JBS viajou à Venezuela para pedir a Maduro que deixe o poder. Influência do magnata já foi apontada na crise do tarifaço, laços com Trump e busca de Lula por novos mercados na Ásia.A recente visita ao presidente Nicolás Maduro na Venezuela não foi a primeira aventura do empresário Joesley Batista na política internacional. O coproprietário da JBS, a maior empresa de carnes do mundo, já foi outras vezes apontado como ator extraoficial, porém detentor de ao menos alguma influência, na interlocução de temas sensíveis a nível diplomático que envolvam seus interesses comerciais.
Ele voou na última semana de novembro a Caracas para pressionar o chefe do Palácio de Miraflores a deixar o cargo, conforme inicialmente reportado pela Bloomberg. A renúncia seria da vontade do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que vem intensificando a pressão política e militar sobre a Venezuela.
Não está claro se o executivo brasileiro teve por conta própria a ideia da viagem-relâmpago, que durou menos de 24 horas, da qual autoridades dos EUA teriam tido conhecimento prévio. Ele não representava oficialmente nenhum governo.
Junto com o irmão Wesley, Joesley comanda o grupo J&F, que, por sua vez, controla a JBS. A holding se intitula "o maior grupo empresarial do Brasil, com 306 mil colaboradores espalhados por 400 operações em mais de 20 países."
Os herdeiros do império alimentício personalizam a pujança dos seus negócios, que começou como empreendimento familiar em Goiás. Mas também ficaram internacionalmente conhecidos pela passagem na prisão por corrupção confessa, bem como pelas associações do selo JBS a crimes ambientais e trabalho escravo.
Interesse na Venezuela
A JBS teria um histórico bilionário de exportações para a Venezuela, intensificado há uma década com o agravamento da escassez de alimentos no país sul-americano. Um acordo especial de 2,1 bilhões de dólares (R$ 11,4 bilhões) citado pela Bloomberg teria contado com apoio de Diosdado Cabello, longevo braço-direito de Maduro.
Já fontes ouvidas pelo jornal O Globo falam numa "linha direta" entre Joesley e Delcy Rodríguez, a vice-presidente venezuelana.
O interesse dos irmãos Batista pela Venezuela já tinha também despontado há dois anos, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva retomou relações com a nação vizinha. Os laços diplomáticos haviam sido cortados pela gestão de Jair Bolsonaro.
À época, a Âmbar Energia, também do grupo J&F, negociou diretamente com uma empresa venezuelana o abastecimento de energia em Roraima, mesmo antes de os governos terem acertado publicamente a retomada da importação. O objetivo era assumir a operação de compra, que acontecia até 2019 entre estatais, com preços inchados. O caso foi reportado pela revista piauí.
Também em 2023, o Grupo J&F entrou no setor de óleo e gás e passou a buscar oportunidades na América Latina, incluindo campos de petróleo na Venezuela e no Peru, de acordo com a colunista Malu Gaspar, de O Globo.
Interlocução com Trump
Talvez o momento mais lustroso da "diplomacia" informal de Joesley tenha sido, entretanto, o encontro deste ano com Trump, no meio da crise do tarifaço imposto pelos EUA ao Brasil. O empresário afirmou ter "falado bem" do Brasil e, segundo uma fonte familiarizada, argumentou que a medida encareceria a carne para os americanos.
Entre outros atores do setor privado trabalhando para desatar nós na relação com o Brasil — com o alívio de impostos para os respectivos setores —, Joesley teria sido o único com acesso à Casa Branca.
Semanas depois, o republicano amaciou o tom, falando até mesmo numa "química excelente" com Lula em pleno púlpito da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York.
O alívio das tensões resultou no primeiro encontro bilateral entre Trump e Lula , na Malásia, no fim de outubro. O presidente brasileiro foi logo em seguida visto conversando com Joesley e Wesley.
No mesmo mês, o Itamaraty impôs sigilo de cinco anos sobre dois telegramas diplomáticos que tratavam dos irmãos Batista e dos seus negócios em conexão com a Venezuela e os EUA, reportou ainda a imprensa brasileira.
Influência incerta
Em novembro, o tarifaço recuou gradualmente , com amenizações tanto para o Brasil quanto para outros países. Fontes próximas ao caso disseram que Joesley contribuiu no fim do imbróglio para os brasileiros.
A retirada das tarifas excepcionais sobre 20 produtos alimentícios brasileiros, incluindo a carne bovina, coincidiria com uma reunião entre os chefes da diplomacia dos dois países. A reversão foi interpretada por especialistas como conquista do Itamaraty. Segundo Lula, foi a vitória do "diálogo" e do "bom senso".
Já a piauí reportou que o magnata brasileiro foi um dos empresários a incitar Trump a rever o posicionamento sobre o julgamento de Bolsonaro. Uma suposta perseguição ao ex-presidente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foi parte da justificativa da Casa Branca para o tarifaço.
A Pilgrim, que pertence à JBS, doou 5 milhões de dólares (R$ 27,2 milhões) ao comitê encarregado da cerimônia de posse de Trump, na maior contribuição única. A senadora americana Elizabeth Warren, do Partido Democrata, sugeriu em maio que benefícios concedidos à JBS poderiam estar ligados à doação milionária.
Também no Brasil, a doação para campanhas eleitorais é uma antiga prática da empresa, que emprega 70 mil pessoas nos EUA. No Brasil estão outros 155 mil.
Círculos de poder
Enquanto membros de alto calibre no agronegócio, Joesley e Wesley têm acesso regular a ambientes de negociação de alto nível. Logo que tomou posse, Lula levou a dupla numa visita oficial à China, como parte de outra comitiva com dezenas de representantes do setor.
"É do trabalho dessas empresas que nasce o poder que eleva o país para qualquer tipo de discussão com outras nações", escreveu Joesley, sobre a então iminente viagem, em artigo para a revista Veja. Chamou ainda aquele de "o momento perfeito" para "fortalecer a posição geopolítica" brasileira.
Na viagem pela Ásia deste ano, os empresários teriam sido os únicos numa comitiva do setor privado brasileiro a se juntar a encontros reservados no palácio presidencial da Indonésia, reportou o Estadão.
Já na COP30, a Conferência do Clima das Nações Unidas, que aconteceu em Belém neste ano, eles ganharam credenciais para a Zona Azul, onde acontecem as negociações entre países, a convite do governo brasileiro. Outros convidados incluíram representantes da mineração, setor petrolífero, organizações não governamentais, comunidades tradicionais e povos indígenas.
Os dois irmãos foram presos em setembro de 2017, quando fecharam delação premiada no âmbito da Operação Lava Jato. Eles seriam soltos seis meses depois.
Com os donos de volta aos círculos de poder, a JBS subiu 40% nos pregões ao longo dos doze meses até junho de 2025. Foi decisiva a entrada na bolsa de valores em Wall Street, que ocorreu na esteira da doação milionária a Trump, após o que Warren chamou de "quase uma década de tentativas".
A listagem em Nova York passou a ser narrada como um retorno triunfal de Joesley e Wesley após verem seus nomes envolvidos em escândalos de corrupção. Hoje, a fortuna dos filhos de Zé Mineiro, como era apelidado o dono de um açougue do interior goiano nos anos 1950, é avaliada pela Forbes em R$ 25 bilhões, a 17ª maior do Brasil.