Como Fux se tornou a esperança de Bolsonaro no STF

Adriano Machado/Reuters
O ministro Luiz Fux, do STF, ao lado do então presidente Jair Bolsonaro e de Hamilton Mourão, então vice-presidente Foto: Adriano Machado/Reuters

O voto contrário de Luiz Fux às medidas cautelares aplicadas contra Jair Bolsonaro (PL), único na Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), reforçou a posição do ministro como esperança do ex-presidente e seus aliados no julgamento por suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.

Para Fux, não há novas provas de que Bolsonaro planejava fugir e parte das restrições “confronta-se com a cláusula pétrea da liberdade de expressão”. Por quatro votos a um, o ex-presidente fica de tornozeleira eletrônica e proibido de usar ou ter entrevistas transmitidas nas redes sociais, sair de casa entre 19h e 7h falar com embaixadores, diplomatas estrangeiros e outros investigados pela corte.

As restrições, alternativas à prisão, se devem à suspeita de que ele articulou, ao lado do filho Eduardo Bolsonaro (PL-SP), pelo tarifaço imposto pelo presidente dos EUA, Donald Trump, aos produtos brasileiros. O americano defendeu o aliado na carta em que anunciou as taxas, com potencial desastroso para a economia brasileira.

Posição divergente

Os termos usados por Fux estão na base da argumentação jurídica que aponta excessos por parte do Supremo. À IstoÉ, o advogado André Marsiglia afirmou que as decisões de Alexandre de Moraes, responsável pelas medidas cautelares, atentam contra o princípio da liberdade de expressão e são inconstitucionais.

Em março, quando a mesma Primeira Turma aceitou a denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República), tornando Bolsonaro e outros 31 réus pela trama golpista, Fux abriu divergências em relação a Moraes quanto aos crimes previstos na acusação, mesmo com o parecer favorável à abertura do processo.

Existe esse conjunto de crimes contra o Estado democrático de Direito, [em que] dois tipos são previstos no mesmo tipo”, disse. “A técnica penal recorre à multiplicidade de tipos e disponibiliza ao juiz uma espécie de mostruário, cada vez mais completo, para que ele tenha condições de encontrar um tipo penal mais assemelhado”.

Como Fux se tornou a esperança de Bolsonaro no STF

Celso Vilardi acompanha seu cliente, Jair Bolsonaro, em julgamento no Supremo: advogado elogiou voto de Fux

O voto foi elogiado por Celso Vilardi, advogado de Bolsonaro. “O ministro fez um posicionamento absolutamente correto, não só sobre a dosimetria, mas principalmente sobre a questão dos dois delitos que estão sendo imputados”.

O conjunto de delitos é um questionamento central da defesa dos réus do caso. Acusados de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, eles podem pegar até 43 anos de cadeia. Os advogados, porém, questionam a inclusão de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado como tipificações distintas, ponderando que uma ação absorve a outra.

Tese de Fux alimenta bolsonarismo

Depois, foi de Fux o voto isolado na Primeira Turma por 1 ano e seis meses de reclusão para Débora Rodrigues dos Santos, a mulher que pichou a frase “Perdeu, mané” com batom na estátua A Justiça, que acabou penalizada com 14 anos.

Pelo parecer, o magistrado ganhou o elogio público da primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) durante uma manifestação na avenida Paulista. “Uma fagulha de bom senso! Luiz Fux, eu sei que o senhor é um juiz de carreira, não vai jogar o seu nome na lama”.

Débora se tornou uma espécie de símbolo do bolsonarismo para apontar que o STF comete excessos ao julgar o 8 de janeiro, em discurso que pode se estender a Bolsonaro e aliados. Sem brecha política para anistiar os invasores, o grupo têm se alinhado na defesa de que as penas são desproporcionais — com mais de 500 condenados, 44 foram sentenciados a 17 anos ou mais de reclusão, período equiparável a um homicídio qualificado.

Além de Fux, o argumento encontra outros respaldos no mundo jurídico. “Há uma desproporção na quantidade de penas, notadamente nas que chegam a quase 18 anos de reclusão, considerando que, como noticiado, muitos dos condenados não tinham qualquer posição de comando”, disse à IstoÉ Nestor Santiago, advogado criminalista e professor da Universidade de Fortaleza e da UFC (Universidade Federal do Ceará).

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Fux presidiu STF durante a pandemia de covid-19, período de ataques de Bolsonaro à corte

Contraste

Em demonstrativo mais concreto de como o grupo passou a encará-lo, Fux foi um dos três integrantes do Supremo que não tiveram o visto para entrar nos EUA revogado pelo governo Trump na sexta-feira, 18, em retaliação ao que o republicano e seus secretários têm chamado de “caça às bruxas” contra Bolsonaro. Ao seu lado, apenas André Mendonça e Kassio Nunes Marques, indicados pelo ex-presidente às vagas.

A condição se opõe àquela que o ministro enfrentou ao presidir o STF, entre setembro de 2020 e setembro de 2022. Na época, o tribunal se opôs frontalmente a decisões do Palácio do Planalto, que negava os riscos da pandemia de covid-19, e empoderou governos estaduais para a adoção de medidas restritivas ao coronavírus.

Em reação, Bolsonaro subiu o tom contra o Judiciário e deflagrou o período mais tenso da relação. Em 2021, o recado do juiz para o político foi mais duro do que nos tempos atuais: “Ninguém fechará essa corte“.