O voto contrário de Luiz Fux às medidas cautelares aplicadas contra Jair Bolsonaro (PL), único na Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), reforçou a posição do ministro como esperança do ex-presidente e seus aliados no julgamento por suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.
Para Fux, não há novas provas de que Bolsonaro planejava fugir e parte das restrições “confronta-se com a cláusula pétrea da liberdade de expressão”. Por quatro votos a um, o ex-presidente fica de tornozeleira eletrônica e proibido de usar ou ter entrevistas transmitidas nas redes sociais, sair de casa entre 19h e 7h falar com embaixadores, diplomatas estrangeiros e outros investigados pela corte.
As restrições, alternativas à prisão, se devem à suspeita de que ele articulou, ao lado do filho Eduardo Bolsonaro (PL-SP), pelo tarifaço imposto pelo presidente dos EUA, Donald Trump, aos produtos brasileiros. O americano defendeu o aliado na carta em que anunciou as taxas, com potencial desastroso para a economia brasileira.
Posição divergente
Os termos usados por Fux estão na base da argumentação jurídica que aponta excessos por parte do Supremo. À IstoÉ, o advogado André Marsiglia afirmou que as decisões de Alexandre de Moraes, responsável pelas medidas cautelares, atentam contra o princípio da liberdade de expressão e são inconstitucionais.
Em março, quando a mesma Primeira Turma aceitou a denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República), tornando Bolsonaro e outros 31 réus pela trama golpista, Fux abriu divergências em relação a Moraes quanto aos crimes previstos na acusação, mesmo com o parecer favorável à abertura do processo.
“Existe esse conjunto de crimes contra o Estado democrático de Direito, [em que] dois tipos são previstos no mesmo tipo”, disse. “A técnica penal recorre à multiplicidade de tipos e disponibiliza ao juiz uma espécie de mostruário, cada vez mais completo, para que ele tenha condições de encontrar um tipo penal mais assemelhado”.

Celso Vilardi acompanha seu cliente, Jair Bolsonaro, em julgamento no Supremo: advogado elogiou voto de Fux
O voto foi elogiado por Celso Vilardi, advogado de Bolsonaro. “O ministro fez um posicionamento absolutamente correto, não só sobre a dosimetria, mas principalmente sobre a questão dos dois delitos que estão sendo imputados”.
O conjunto de delitos é um questionamento central da defesa dos réus do caso. Acusados de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, eles podem pegar até 43 anos de cadeia. Os advogados, porém, questionam a inclusão de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado como tipificações distintas, ponderando que uma ação absorve a outra.
Tese de Fux alimenta bolsonarismo
Depois, foi de Fux o voto isolado na Primeira Turma por 1 ano e seis meses de reclusão para Débora Rodrigues dos Santos, a mulher que pichou a frase “Perdeu, mané” com batom na estátua A Justiça, que acabou penalizada com 14 anos.
Pelo parecer, o magistrado ganhou o elogio público da primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) durante uma manifestação na avenida Paulista. “Uma fagulha de bom senso! Luiz Fux, eu sei que o senhor é um juiz de carreira, não vai jogar o seu nome na lama”.
Michelle Bolsonaro mandando recado para ao petista e ao Ministro Luiz Fux.
A Voz da Mulher que sabe se posicionar!
Parabéns, Michelle! pic.twitter.com/gvQXqVebbZ— Cris Vivi 🌼 (@VicentinVilma) April 6, 2025
Débora se tornou uma espécie de símbolo do bolsonarismo para apontar que o STF comete excessos ao julgar o 8 de janeiro, em discurso que pode se estender a Bolsonaro e aliados. Sem brecha política para anistiar os invasores, o grupo têm se alinhado na defesa de que as penas são desproporcionais — com mais de 500 condenados, 44 foram sentenciados a 17 anos ou mais de reclusão, período equiparável a um homicídio qualificado.
Além de Fux, o argumento encontra outros respaldos no mundo jurídico. “Há uma desproporção na quantidade de penas, notadamente nas que chegam a quase 18 anos de reclusão, considerando que, como noticiado, muitos dos condenados não tinham qualquer posição de comando”, disse à IstoÉ Nestor Santiago, advogado criminalista e professor da Universidade de Fortaleza e da UFC (Universidade Federal do Ceará).

Fux presidiu STF durante a pandemia de covid-19, período de ataques de Bolsonaro à corte
Contraste
Em demonstrativo mais concreto de como o grupo passou a encará-lo, Fux foi um dos três integrantes do Supremo que não tiveram o visto para entrar nos EUA revogado pelo governo Trump na sexta-feira, 18, em retaliação ao que o republicano e seus secretários têm chamado de “caça às bruxas” contra Bolsonaro. Ao seu lado, apenas André Mendonça e Kassio Nunes Marques, indicados pelo ex-presidente às vagas.
A condição se opõe àquela que o ministro enfrentou ao presidir o STF, entre setembro de 2020 e setembro de 2022. Na época, o tribunal se opôs frontalmente a decisões do Palácio do Planalto, que negava os riscos da pandemia de covid-19, e empoderou governos estaduais para a adoção de medidas restritivas ao coronavírus.
Em reação, Bolsonaro subiu o tom contra o Judiciário e deflagrou o período mais tenso da relação. Em 2021, o recado do juiz para o político foi mais duro do que nos tempos atuais: “Ninguém fechará essa corte“.