OCULTO General Heleno foi a voz do governo nos ataques ao STF (Crédito:ANDRESSA ANHOLETE)

No dia 26 de maio de 2020, no auge dos ataques do “grupo dos 300” ao STF, sob liderança da ativista Sara Winter, e que marcaram os dias de maior tensão contra a democracia, com ameaças e xingamentos feitos aos magistrados da Suprema Corte, o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), deu uma demonstração inequívoca de como funciona a máquina do ódio e perseguições a inimigos do presidente, coordenada pelo “gabinete do ódio”. O general chamou os integrantes dessa facção criminosa ao Palácio do Planalto, onde fica o GSI, e orientou a estratégia do movimento. A ordem era para que o grupo de amalucados deixasse de dirigir ofensas ao então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e também aos jornalistas que cobriam os atos em Brasília. O general recomendou ao grupo que direcionasse as agressões ao Supremo. O encontro durou uma hora, mas outras reuniões semelhantes aconteceram no Planalto. Heleno confirma que escalou o capitão de fragata Flávio Almeida, da comunicação social do GSI, para fazer ponte com o “grupo dos 300”.

GUARDIÕES Ministros do STF Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes prometem rigidez contra fake news (Crédito:Divulgação)

Em depoimento à delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro (PF), no final de 2021, o general confirmou que se reuniu com as lideranças do grupo da extrema direita bolsonarista, embora tenha negado orientar a ação dos radicais. Mas o militar, principal ministro de Bolsonaro, e que foi ao depoimento na PF acompanhado por dois altos assessores, como seu chefe de gabinete, Ricardo Ibsen Pennaforte de Campos e major Gilvane Maria Leite da Frota, foi confrontado de pronto pela própria delegada que conduzia a investigação por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF e responsável por cinco inquéritos contra o ex-capitão e seus filhos, entre outros. A delegada surpreendeu o general com informações obtidas pelos investigadores no inquérito. “Informado neste ato que a Polícia Federal possui dados que indicam a existência de pessoas vinculadas diretamente à Presidência da República responsáveis por emanar diretrizes ou orientar ações virtuais concentradas, por múltiplos canais, inclusive com ataques à honra de desafetos ou pessoas que se opõem a atos do governo federal, indaga-se qual é o seu conhecido ou participação em relação a essa prática, respondeu que desconhece os dados mencionados”. Era óbvio que ele iria dizer que desconhecia a acusação grave que lhe estava sendo assacada naquele momento, partindo, de chofre, da encarregada direta do inquérito aberto para apurar quem comandou os atos antidemocráticos. O general é suspeito de “ter coordenado, estimulado, anuído, pessoalmente ou por intermédio de outra pessoa, as ações de descrédito ou ataque à honra de desafetos do presidente”, como consta no relatório da delegada. No ano passado, inclusive, Sara Winter confirmou com exclusividade à ISTOÉ que havia recebido orientações do general Heleno para que atacassem o STF durante a ação do acampamento do seu movimento, o “300 do Brasil”. O inquérito parcial da PF sobre os ataques à democracia foi concluído pela delegada Denisse Ribeiro no último dia 11 e resultou em um relatório de 47 páginas, ao qual ISTOÉ teve acesso, e que foi encaminhado ao ministro Alexandre de Moraes exatamente no mesmo dia em que ela pediu afastamento do cargo para licença maternidade de seis meses. Em seu comunicado, ela pede que outros delegados sejam nomeados pelo magistrado para que as investigações tenham continuidade.

Esse inquérito, na verdade, é um cerco concreto às milícias digitais, como a Polícia Federal se refere “a uma organização criminosa” supostamente comandada por assessores do mandatário, sob articulação dos filhos, especialmente do vereador Carlos Bolsonaro (conhecido por Carluxo), e que, segundo as investigações autorizadas pelo STF, “é voltada à criação e difusão de mensagens na Internet com conteúdos falsos — as chamadas fake news — e também uma grande ofensiva contra o ‘gabinete do ódio’. O que a PF apurou pode responsabilizar os integrantes do clã do presidente. “A organização usa essa estrutura para atacar, de forma anônima, diversas pessoas (antagonistas políticos, ministros do STF, integrantes do próprio governo, dissidentes etc.), tudo como forma de pavimentar o caminho para o alcance dos objetivos traçados (ganhos ideológicos, político-partidários e financeiros), conforme ressalta o relatório.

O documento diz claramente que se destina a apurar a “organização criminosa voltada à criação, publicação e difusão de mensagens com conteúdos que incidem em tipos penais como calúnia, difamação, injúria, violação de sigilo funcional, entre outros”. O “modus operandi” do grupo, segundo a policial, tem como objetivo atacar as instituições, ferir a democracia e beneficiar de forma direta o governo.

Telegram em Dubai

Outro fato expressivo, revelado no depoimento do general à PF, diz que o blogueiro Allan dos Santos, atualmente foragido da Justiça brasileira nos EUA, e provavelmente um dos nomes cotados para herdar o legado do ideólogo Olavo de Carvalho, guru dos bolsonaristas e falecido recentemente, também esteve no gabinete do GSI. “Ele era uma pessoa que tinha acesso ao presidente da República”, confirmou o general. Allan, que mesmo sendo “procurado” pela PF foi visto recentemente em um evento ao lado do ministro das Comunicações, Fabio Faria, voltou a criar contas em redes sociais, que estavam proibidas pela Justiça. Na última segunda-feira, 14, ele desafiou o STF e fez novas críticas ao ministro Alexandre em um de seus stories. A PF, do diretor-geral Paulo Maiurino, nomeado por Bolsonaro, não tem mostrado empenho na prisão do blogueiro, embora ele se preste a assinar uma nota oficial criticando o ex-ministro Sergio Moro, candidato à sucessão do mandatário. Outro nome citado no depoimento do general é o de Filipe Martins, hoje assessor do presidente e, à época, assessor do então ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo. De acordo com o general, Filipe Martins também é adepto das ideias de Olavo, morto no mês passado nos EUA, onde se encontrava constantemente com o blogueiro para tratar dos ataques extremistas do bolsonarismo.

E como esse grupo criminoso ligado ao clã Bolsonaro age? De acordo com o relatório, ele atua em quatro fases: a primeira delas é indicar ou deliberar quem será o alvo das ações; logo depois vem o processo de preparação, que é a elaboração do conteúdo e separação de tarefas entre os envolvidos, ou seja, quem vai fazer o quê; a terceira fase é o ataque em si; e, por último, a reverberação, que nada mais é do que a multiplicação cruzada das postagens por novas retransmissões. O esquema é comandado pelo presidente, operado por Carluxo e tem no deputado Eduardo Bolsonaro um dos negociadores internacionais, sobretudo em razão de ele ser um dos coordenadores mundiais da Ação Política Conservadora (CPAC), criada nos EUA com a participação ativa de Steve Bannon, estrategista de Trump e amigo íntimo dos Bolsonaro. Eduardo, inclusive, viaja constantemente aos EUA e Emirados Árabes, especialmente Dubai, onde moram os irmãos Nikolai e Pavel Durov, donos do Telegram.

Os bolsonaristas e trumpistas usam prioritariamente o Telegram para promover seus ataques na Internet. Essa mídia social da extrema direita mundial não tem representação no Brasil e deve ser expulsa daqui e proibida de atuar durante as eleições, pois é o principal meio de comunicação das mensagens de ódio de Bolsonaro, assim como de Trump nos EUA. Os irmãos Pavel moravam na Rússia e ajudaram a eleger Trump no primeiro mandato. A viagem de Bolsonaro à Rússia também teria servido para cuidar da ajuda de Putin aos ataques cibernéticos que sua campanha pretende usar na reeleição. O presidente, contudo, negou que esse assunto tivesse sido tratado com o líder russo. “Se alguém fez qualquer ilação nesse sentido, está extrapolando no meu entender à sua atividade”, declarou o presidente a jornalistas em Moscou.

Porém, essas suspeitas de envolvimento de Bolsonaro com os russos vieram até mesmo do novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin. “Há riscos de ataques de diversas formas e origem (ao sistema eleitoral brasileiro). Tem sido dito e publicado, por exemplo, que a Rússia é um exemplo dessas procedências. O alerta quanto a isso é máximo e vem num crescendo”, afirmou o ministro, que nesta terça-feira, 22, assume o tribunal eleitoral no lugar de Luís Roberto Barroso e que também condena o uso do Telegram pelo clã Bolsonaro e seus seguidores. “O Brasil não é a casa da sogra”, disse Barroso, numa referência ao fato de a mídia social, com sede nos Emirados Árabes, não responderem aos apelos das autoridades no sentido de respeitar a legislação brasileira sobre a punição à divulgação de notícias falsas.

IDEOLOGIA Conforme a PF, as ordens de ataque ao STF sairam do GSI, comandado pelo general Augusto Heleno (Crédito:Divulgação)

Fachin, Barroso e Moraes prometeram ser rigorosos com quem fizer acusações sem provas contra suposta vulnerabilidade das urnas eletrônicas. Moraes prometeu até mesmo a cassação de chapas e a prisão dos infratores, em um claro recado a Bolsonaro e aos filhos, que vivem a desafiá-lo e a xingá-lo nas mídias sociais e em palanques políticos, como nos festejos do Sete de Setembro. Os ministros estiveram reunidos na última terça-feira, 15, com representantes do Twitter, Instagram, Tik Tok, Facebook, Whatsapp, Google, YouTube e Kwai para pedir que eles colaborem com a lisura da campanha eleitoral, deixando de publicar fake news em suas redes e que também tomem cuidado contra a disseminação de desinformações no processo de votação.

Para a deputada Joice Hasselmman (PSL-SP), eleita na esteira do bolsonarismo e uma das primeiras a denunciar a existência das milícias digitais tão logo tornou-se desafeta do presidente e seus filhos, o relatório parcial da PF corrobora tudo o que ela denunciou na CPI das Fake News. Ela diz que o processo começa dentro do Palácio do Planalto, vai para a bolha bolsonarista e a partir daí definem quem vai ser atacado e como, quais as hashtags que serão usadas, incluindo a combinação de horários dos disparos para que todos façam ao mesmo tempo e assim tenham um engajamento grande nas redes.

“Eu já tinha denunciado que os cabeças do gabinete do ódio estavam dentro do Palácio do Planalto, no terceiro andar, onde fica a sala do presidente da República, e que isso era depois ramificado para a Câmara e para o Senado, através de todos os assessores ligados à ala bolsonarista. A partir daí, chegando depois às assembleias legislativas e às câmaras municipais de todo o País. É assim que esse bando criminoso atua”, disse a deputada à ISTOÉ.

A parlamentar, que depôs na segunda-feira, 14, sobre o braço “do gabinete do ódio” em São Paulo, citou aos policiais da PF paulistas os nomes do deputado estadual Douglas Garcia (PTB-SP) e de Edson Salomão, presidente do Movimento Conservador e pré-candidato a deputado estadual, como responsáveis pela propagação de mensagens de ódio no estado. Ela diz ser importante a PF ter chegado no topo da pirâmide, mas que deve continuar investigando para chegar à base do núcleo criminoso. Segundo a deputada, há muito mais coisas a serem investigadas, como o “rastro do dinheiro” que precisa ser seguido para que possamos saber quem paga os robôs. Só na conta do presidente no Twitter tem um milhão e meio de robôs. Quem paga por isso?, indaga.

Hasselmman considera essas questões importantes de serem respondidas e afirma que tem muito dinheiro público envolvido nesse esquema por meio de bolsonaristas pagos pela Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), como é o caso do blogueiro Allan dos Santos, que conta com a proteção do deputado Eduardo Bolsonaro, de acordo com as investigações do STF sobre os atos antidemocráticos. Joice, inclusive, já denunciou que um dos assessores do filho 03 na Câmara, Eduardo Guimarães, que utilizava os computadores do Congresso para dissinimar fake news e atacar adversários do presidente. A casa dos Bolsonaro está caindo e se não andarem na linha, poderão ser punidos no STF e no TSE.

A delegada linha-dura

Divulgação

Denisse Ribeiro é a primeira mulher a integrar o Comando de Operações Táticas (COT) da PF, a “SWAT brasileira”. Ela atuou em casos de narcotráfico e terrorismo, antes de conduzir os inquéritos contra Bolsonaro por sua ação nos atos antidemocráticos e fake news. Em 2014, foi aprovada no concurso para delegada e, naquele mesmo ano, desarticulou uma quadrilha que traficava mulheres venezuelanas, na operação conhecida como “La Sombra”. Dois anos mais tarde, se destacou na Operação Acrônimo, que investigou supostos delitos cometidos pelo ex-governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT). Em agosto do ano passado, prendeu o ex-deputado federal e presidente do PTB, Roberto Jefferson, hoje em prisão domiciliar, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, que foi desacatado.

Nota do deputado Filipe Barros

“Em relação à reportagem publicada no dia 18/02 na IstoÉ, o Deputado Federal Filipe Barros foi citado de maneira errônea na publicação, solicitando educadamente a seguinte correção:

A reportagem dá a entender de forma equivocada e sem base em fatos ou documentos oficiais que o Deputado Filipe Barros é investigado em inquérito do STF (4878) e é preciso esclarecer que ele jamais figurou como investigado no mencionado processo, razão pela qual a reportagem deveria conter a correção, evitando-se a adoção de medidas judiciais a posteriori.

Já no que se refere aos fatos mencionados na reportagem, esclarece que o Deputado Filipe Barros foi escolhido relator da Comissão Especial que analisou a Proposta de Emenda à Constituição do Voto Impresso em 2021 (PEC 135/2019) e nessa condição praticou os atos necessários para o desenvolvimento dos trabalhos sempre pautado pela legalidade conforme atestam tanto a Procuradoria Parlamentar da Câmara dos Deputados (documento anexo) como o próprio Procurador Geral da República em parecer devidamente fundamentado, também em anexo.

Assim, dada a pertinência e urgência da correção requer-se que seja inserida já na próxima publicação dessa respeitável revista e também, desde já, na versão online do veículo de comunicação da editora”.