Como editoras atraem leitores com brasileiros lendo menos

Na hora de vender livros vale tudo: de relançar clássicos da literatura a apostar em escritores não convencionais. Editores contam as estratégias da busca por leitores.Thalita Rebouças tinha 26 anos quando participou de sua primeira Bienal do Livro, em 2001. A autora de Traição Entre Amigas (2000) chegou cedo ao Riocentro, na Barra da Tijuca, com uma pilha de livros debaixo do braço. Uma hora depois, não tinha vendido nenhum. Dali a pouco, uma garota se aproximou: "Moça, onde fica o banheiro?". Cansada de se sentir invisível, Thalita subiu numa cadeira e começou a gritar: "Eu sou escritora! Não estou aqui para dar informação. Estou aqui para dar autógrafo". "Quem comprar meu livro", esgoelou-se, "leva um autógrafo. Vai que eu fico famosa, hein? Vocês não vão precisar mais entrar em fila ziguezague para pegar meu autógrafo!"

Por ironia do destino, três bienais depois, Thalita sofreu uma tendinite de tanto autografar. O médico prescreveu anti-inflamatório e repouso. "Jura? Ainda faltam quatro dias…", fez as contas, apavorada. O jeito foi substituir sua assinatura por um carimbo personalizado.

"A Bienal não é mais uma feira de livros. Virou um parque de diversões literário!", brinca ela hoje, aos 50 anos. "Não tem truque, tem humor. Quando o adolescente se identifica com o que lê, ri de si mesmo. Não quero passar lição de moral, quero que ele entenda que não está sozinho. Quando você fala com verdade as coisas que quer falar, chega nas pessoas que tem que chegar", explica a autora.

Nesses 24 anos, muita coisa mudou: tanto para Thalita quanto para a Bienal. Desde Traição Entre Amigas, ela já publicou 30 títulos, foi traduzida para mais de 20 idiomas e vendeu cerca de 2,3 milhões de exemplares. Alguns deles, como Tudo por um Pop Star (2003), Fala Sério, Mãe! (2004) e Uma Fada Veio Me Visitar (2007), foram adaptados para o teatro, o cinema e o streaming.

Ler é a maior diversão

Thalita não exagera quando diz que a Bienal virou "um parque de diversões literário". Na edição deste ano, que começa dia 13 de junho e vai até 22 de junho, tem até roda-gigante, a Leitura nas Alturas. Cada cabine, um universo diferente: Turma da Mônica, Lilo & Stitch, As Crônicas de Nárnia…

"Essas atrações ajudam a conectar as pessoas aos livros porque transformam a literatura em experiência. Não basta vender livros, queremos criar memórias. Precisamos acabar com essa história de que ler é ‘chato' ou ‘difícil'. Na Bienal, mostramos que literatura pode ser algo divertido, leve e emocionante", explica Tatiana Zaccaro, diretora da GL Events Exhibitions, uma das realizadoras da Bienal Internacional do Livro.

De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, 53% dos brasileiros não leram nenhum livro nos três meses anteriores ao levantamento realizado em 2024. Esse foi o menor número registrado desde a primeira edição da pesquisa em 2007. Também foi a primeira vez que o número de não leitores ultrapassou o de leitores.

A pesquisa identificou ainda que, nos últimos quatro anos, o Brasil perdeu quase 7 milhões de leitores. Diante desse cenário, editoras precisam buscar meios para alcançar esse público, que cada vez mais perde o interesse pela leitura.

A estratégia de transformar literatura em experiência tem dado resultado na Bienal. A edição de 2023 registrou recorde de público (600 mil pessoas) e de venda (5,5 milhões de exemplares). "Em um país que perde milhares de leitores todo ano, arrastar multidões que transformam autores em celebridades e compram uma média de oito a nove livros é incrível", avalia Zaccaro.

Segundo levantamento do Ministério da Cultura (MinC), o Brasil tem hoje cerca de 320 eventos literários, entre feiras, bienais e saraus. Desses, um dos mais concorridos é a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip.

Outra estratégia bem-sucedida é apostar em edições de bolso. Quem garante é Ivan Pinheiro Machado, um dos fundadores da L&PM. "Foram mais de 30 milhões de exemplares vendidos, custando menos da metade de um livro convencional e com a mesma qualidade editorial", explica Pinheiro Machado, o PM da sigla L&PM – o L é de Paulo Lima, o outro sócio.

Atualmente, a coleção L&PM POCKET tem 1.500 títulos disponíveis: de William Shakespeare a Monteiro Lobato, de Fernando Pessoa a Millôr Fernandes, de Charles Bukowski a Martha Medeiros. "Ninguém fez mais para a cultura do livro nestas últimas décadas do que essa coleção", gaba-se Pinheiro Machado.

Vale a pena ler de novo

Na hora de conquistar novos leitores ou fidelizar os antigos (ou assíduos, como prefere Bruno Zolotar, diretor comercial e de marketing da Rocco), nada melhor do que relançar um clássico. Um bom exemplo disso é A Hora da Estrela (1977), de Clarice Lispector.

"O livro sempre vendeu bem, mas, com a edição de 2020, ganhou maior distribuição, foi lido pela geração Z, mereceu resenhas nas redes sociais e voltou a ser comentado por gente como a atriz Cate Blanchett e a cantora Olivia Rodrigo", orgulha-se Zolotar. "Não por acaso, voltou à lista dos mais vendidos, décadas depois da morte de sua autora. Tudo pode acontecer a partir de uma nova edição."

Relançar clássicos é uma dica (quase) infalível. Com roupa nova, então, melhor ainda: nova tradução, textos extras (notas, prefácios e posfácios) e capa dura. E nem precisa ser tão antigo assim. É o caso de Uma Autobiografia (2016), de Rita Lee. O livro foi relançado em 2023, por ocasião da morte da roqueira, numa edição de luxo, com pintura lateral em tie-dye, fitilho marcador de página e um novo caderno de fotos, com documentos de época e imagens inéditas. Em uma delas, Rita "ajuda" a derrubar o Muro de Berlim, em 1989. "Esses relançamentos são atrativos porque apresentam uma obra importante a um novo público", afirma Guilherme Samora, editor da Globo Livros.

Na Harper Collins Brasil, dois clássicos indiscutíveis – o dramaturgo pernambucano Nelson Rodrigues e a escritora inglesa Agatha Christie – ganharam coleções exclusivas. A da Rainha do Crime vem com brindes, como uma ecobag e um calendário.

"Muitas vezes, clássicos são associados à leitura escolar obrigatória. Quando apresentados com uma linguagem mais contemporânea, que pode ser uma nova tradução ou uma edição ilustrada, tornamos a leitura mais acessível", observa Leonora Monnerat, CEO do grupo HarperCollins Brasil. "Mais do que uma obrigação, ler precisa ser algo prazeroso. Um entretenimento como assistir a um filme ou disputar um game."

E não basta conquistar leitores. É preciso engajá-los em comunidades. É o que faz o Harlequin, um dos selos do grupo HarperCollins Brasil. Referência na publicação de livros de romance, criou o Festival de Literatura Romântica do Brasil (Flir) para leitores do gênero. "É um evento temático, anual e interativo que cultiva esse senso de pertencimento. Quando um leitor encontra outras pessoas que compartilham do mesmo gosto literário, ele se sente parte de algo maior. É uma estratégia que ajuda a disseminar o hábito da leitura", afirma Monnerat.

Com quantos selos se faz uma editora

Dividir uma editora em subeditoras, aliás, virou quase uma regra. Na Planeta, são treze selos. Desses, Ana Carolina Fontoura, diretora de marketing e comunicação, destaca dois: o Tatu-Bola, que apresenta volumes infantis, e o Crítica, que reúne títulos históricos. Enquanto o primeiro se propõe a conquistar novos leitores, ou seja, crianças a partir de um ano de idade, o segundo ambiciona fidelizar os antigos, isto é, quem não se importa de pagar mais por um livro de qualidade.

"É preciso identificar o que o público de cada selo está buscando e entregar", explica Fontoura. "Não há segredo. O que há é um catálogo amplo e variado para atender a todos os tipos de leitores."

Uma palavra que os editores costumam usar é curadoria. "Muitas vezes, os leitores confiam tanto na curadoria da Todavia que compram esse ou aquele livro tão somente porque ele está saindo pela editora", explica Leandro Sarmatz. "Sabem que houve um trabalho prévio de garimpo e um processo editorial de qualidade."

Em 2024, a Todavia ganhou três Jabutis: dois de ficção (Romance de Entretenimento para O Crime do Bom Nazista, de Samir Machado de Machado, e Romance Literário para Salvar o Fogo, de Itamar Vieira Júnior) e um de não ficção (Biografia e Reportagem para Baviera Tropical, de Betina Anton). "O que dá errado é pretender ser o que não é: uma editora literária embarcar num filão comercialóide ou uma comercial investir em literatura experimental."

Para turbinar suas vendas, muitos editores apostam em escritores não convencionais. São religiosos, médicos, atores, youtubers, influenciadores digitais… Mas, será que isso funciona? Talvez sim, arrisca Cassiano Elek Machado, diretor editorial do Grupo Record, desde que a pessoa tenha algo a dizer.

"Livros feitos por personalidades que tenham muitos fãs ou seguidores em diferentes canais ou redes sociais podem atrair leitores não tradicionais. Mas, só a popularidade não garante vendas. Tem de estar envolvido no projeto, e não apenas emprestar o nome e a fama", destaca Machado.

Na livraria física ou na online

Um bom editor tem que pensar em tudo: título instigante, capa bonita, preço competitivo… Pensa que acabou? Ainda não! "Temos que ir aonde nossos potenciais leitores estão: nas redes sociais", explica Mariana Kaplan, diretora de marketing da Sextante. "Temos feito parceria com influenciadores cujos perfis não são dedicados a livros. Eles conseguem apresentar de forma nativa o conteúdo de nossos livros e despertar o interesse em seus seguidores."

Dentro do ponto de venda físico, a primeira coisa a fazer é garantir uma boa exposição do livro. "Se não estiver em uma posição de destaque, não adianta capa bonita nem título instigante", pondera Kaplan.

É por essas e outras que Rui Campos, sócio da Livraria da Travessa, gosta de dizer que aposta em três A's: arquitetura (ambiente agradável e funcional), acervo (obras do mundo inteiro) e atendimento (livreiros interessantes e interessados). "Uma livraria nunca é igual à outra", observa Campos. "Quem tem uma perto de casa corre o risco de se tornar leitor."

Segundo levantamento da Associação Nacional de Livrarias (ANL), o Brasil tem hoje 2.972 espaços físicos dedicados à venda de livros. Só a Travessa tem 14 lojas físicas – 13 delas no Brasil e uma em Portugal.

Além do livro de papel, o leitor pode levar para casa o digital e o audiolivro. Houve um tempo que o digital foi visto como inimigo do impresso. Hoje, há leitores que compram um mesmo título no formato digital, para ler no metrô, e no físico, para guardar em casa.

"Enquanto o e-book atrai leitores já familiarizados com a leitura, o audiobook é uma oportunidade de atrair novos leitores. O Brasil é, historicamente, um grande consumidor de áudio – primeiro do rádio e agora dos podcasts", pondera Mariana Kaplan, da Sextante.

Livro x mercadoria

Independentemente do formato, o importante é consumir conteúdo. Mas, o que pensam eles, os escritores? "Leitor não é cliente. Não do autor, ao menos. Talvez seja da editora ou da livraria, e aí se pode falar em conquistar leitores pela qualidade do papel ou do desconto da loja", ressalva Samir Machado de Machado, autor do livro O Crime do Bom Nazista (2023). "O escritor escreve para expressar um conjunto de ideias e torce, a cada livro, para que isso seja interessante para mais alguém além dele próprio."

Autor do livro Ainda Estou Aqui, que deu origem ao filme que ganhou o primeiro Oscar do cinema brasileiro, Marcelo Rubens Paiva garante que não escreve para atrair leitores. "Livro não é mercadoria. Escrever é uma missão. Escrevo porque amo escrever. Não escrevo por obrigação, escrevo por prazer", discorre.

Ele lembra que, dos 17 livros que publicou, Feliz Ano Velho (1982) e Ainda Estou Aqui (2015) fizeram sucesso, mas Meninos em Fúria (2016), também autobiográfico, não. "Já escrevi outros livros depois de ganhar outros prêmios e não muda muita coisa. Escrever é um ato solitário. Quando escrevo, estou mais preocupado com os meus pesadelos do que com as minhas glórias", relata ele, que acaba de lançar O Novo Agora (2025) pela Alfaguara, selo da Companhia das Letras.

O ato de escrever pode até ser solitário, mas a tarefa de fazer do Brasil um país de leitores é coletiva. É um esforço conjunto que abrange, entre outros, professores, bibliotecários e governantes. "Um livro pode ser transformador na vida de um leitor porque traz reflexão, aprendizado e entretenimento", afirma Guilherme Samora, da Globo Livros.