O magnata francês Pierre Édouard Stérin investe milhões de euros em iniciativas que propagam ideias de extrema direita. Ele é apenas a ponta do iceberg. Por isso, alguns pedem regras mais rígidas.O depoimento do bilionário francês Pierre Édouard Stérin era aguardado com ansiedade. Os detalhes de um "verdadeiro ecossistema de conquista política" seriam revelados, de acordo com um membro da comissão parlamentar de inquérito sobre a organização das eleições francesas.
O executivo – dono da empresa Smartbox, especializada em kits e presentes corporativos – seria questionado sobre seu projeto "Périclès", por meio do qual já investiu quase 30 milhões de euros em iniciativas que representam valores profundamente conservadores. Mas a cadeira do francês na sala da Assembleia Nacional permaneceu vazia.
"Ontem, o Sr. Stérin nos disse que queria testemunhar por meio de um link de vídeo – por motivos de segurança", disse Thomas Cazenave, deputado da coalizão governista "Juntos!" e presidente do comitê. "Respondi que havíamos tomado medidas de proteção, como fazemos com os parlamentares que são ameaçados regularmente."
Cazenave lamentou essa "tática de adiamento". Não foi possível verificar se Périclès estava cumprindo as leis francesas sobre financiamento de partidos. Stérin não é o único bilionário que está tentando influenciar a opinião política para a direita na França. Por isso, alguns estão pedindo regras mais rígidas.
Incubador de ultradireita
Périclès, no entanto, compareceu à sua audiência uma semana antes. "A situação econômica, social e moral do nosso país é crítica", disse Arnaud Rérolle ao comitê. "Somos uma incubadora à direita do espectro político para projetos metapolíticos. Até o momento, apoiamos menos de 15% das 600 candidaturas."
Isso inclui a revista de extrema direita L'Incorrect e o Observatório para Descolonização, que, entre outras coisas, denuncia uma suposta hostilidade ao esclarecimento à la "woke". Os movimentos woke fazem campanha contra a discriminação. No entanto, Rérolle revelou apenas alguns dos projetos apoiados. Ele acrescentou que a Périclès não financia candidatos a eleições. De acordo com a lei francesa, isso só é permitido a partidos políticos.
"Problema para a democracia"
Pierre-Yves Cadalen considera as declarações de Rérolle muito vagas. O deputado do partido de extrema esquerda França Insubmissa (LFI) é vice-presidente da comissão de inquérito. "O jornal L'Humanité publicou um documento interno segundo o qual Périclès quer ajudar o partido de extrema direita Reunião Nacional (RN) a conquistar 300 cidades nas eleições municipais de 2026", disse Cadalen à DW.
Rérolle confirmou no seu depoimento que o documento era genuíno – mas o chamou de "desatualizado". De acordo com o documento, eles planejam gastar 150 milhões de euros em dez anos para combater o islamismo, a imigração e a ideologia de gênero, e trabalhar para vencer as eleições presidenciais e parlamentares de 2027. Segundo ele, o líder do RN, Jordan Bardella, e a candidata à presidência do RN, Marine Le Pen, são "figuras de confiança" nesse esforço.
"É um problema para a democracia quando os bilionários intervêm na vida política dessa forma", diz Cadalen, e ele não está se referindo apenas a Stérin. Na França, 11 bilionários possuem 80% da imprensa diária. Suas estações de televisão e rádio são responsáveis por mais da metade de todos os espectadores e ouvintes.
Vincent Bolloré também está no centro das atenções. Ele é o acionista majoritário de um grupo de logística e comunicação que leva seu nome. Bolloré, explica Cadalen, exerce "grande influência por meio de seu canal de notícias Cnews, da estação de rádio Europe 1, do jornal semanal JDD e da organização de pesquisas de opinião CSA. Juntos, esses meios de comunicação têm influência e disseminam opiniões do espectro de direita que outros meios de comunicação adotam".
Isso nunca aconteceu antes dessa forma, diz Abel François, professor de Economia Política da Universidade de Estrasburgo. "Os bilionários costumavam comprar veículos de mídia, por exemplo, para fazer com que os políticos os favorecessem em licitações públicas", diz ele à DW. "Hoje, eles querem disseminar uma determinada ideologia." Oficialmente, Bolloré afirma não ter influência sobre o conteúdo de sua mídia. Um pedido de entrevista da DW enviado para ele ficou sem resposta – assim como outro para Périclès.
Concentração da mídia
A concentração de mercado da mídia tem consequências de longo alcance. "Há uma certa autocensura entre os jornalistas com relação a esses bilionários. Afinal de contas, você pode estragar tudo com um futuro empregador em potencial", diz Amaury de Rochegonde, jornalista de negócios da revista semanal Stratégies e da estação de rádio RFI.
Bolloré e Stérin também uniram forças. "Os dois se encontraram e parecem querer uma união da direita, ou seja, da ala conservadora dos republicanos com o RN."
Alexis Lévrier, historiador de mídia da Universidade de Reims, experimentou em primeira mão o que significa tentar enfrentar esse império. "Recebi milhares de mensagens – insultos, mas também ameaças de morte, inclusive de um traficante de armas", explica ele.
O gatilho foi uma entrevista no final de fevereiro. Nela, Lévrier pediu que a CNews e a C8, outra emissora de Bolloré, tivessem sua licença cassada. A C8 já havia recebido dezenas de advertências por sexismo e homofobia, entre outras coisas. A entrevista com a DW é uma das primeiras de Lévrier desde o incidente. "Muitos dos meus colegas de pesquisa não ousam mais dizer nada contra o império Bolloré. Os profissionais da cultura da França também se calaram. Tradicionalmente, eles eram defensores dos valores humanistas", diz ele.
Mas para Hervé Joly, historiador do instituto de pesquisa estatal CNRS, Stérin e Bolloré são exceções. "O RN quase não tem defensores públicos entre os empresários", diz ele. "Historicamente, os empregadores não apoiavam a extrema direita antes de ela chegar ao poder. Os empresários geralmente são a favor de partidos estabelecidos e conservadores. Hoje, muitos deles são progressistas, a favor de políticas igualitárias e da luta contra as mudanças climáticas."
Mas isso poderia mudar se a extrema direita chegasse ao poder. "Na Alemanha, os empresários trabalharam com Hitler e ajudaram a consolidar seu poder", diz Joly. Para o parlamentar Cadalen, no entanto, o alarme já está aceso. "Precisamos de leis contra a concentração no mercado de mídia", diz.
"Essas são plataformas para forças reacionárias que querem desmantelar nosso Estado constitucional, como nos EUA", afirma, lembrando que lá, o presidente reeleito Donald Trump ignora as decisões judiciais que não lhe são favoráveis. Emissoras como a FoxNews são a favor disso.
Para a deputada do Juntos Eléonore Caroit, também membro do comitê, novas leis não são a solução. "Você pode combater projetos como o Périclès expondo-os", disse ela à DW. "Provavelmente foi por isso que Stérin não compareceu à audiência." O bilionário está agora sujeito a dois anos de prisão e a uma multa de 7.500 euros.