Diante de nova era global, país terá que rever sua política externa e de defesa. Caminho após as eleições de 23 de fevereiro aponta para redução da dependência dos EUA e fortalecimento de capacidades militares próprias.A política externa será um desafio e tanto para o próximo governo da Alemanha, a ser definido em eleição neste domingo (23/02). O país se vê diante de uma nova era, forçado a rever suas estratégias e a se despedir, de vez, do confortável papel de potência poderosa economicamente, mas hesitante do ponto de vista geopolítico.
Por muitas décadas, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, ministros alemães do Exterior puderam contar com um cargo atraente: firmemente ancorado no Ocidente, o país se transformou num defensor do multilateralismo, da democracia e do Estado de direito. Decisões delicadas na política externa eram tomadas em conjunto com potências amigas, e a segurança da Alemanha era responsabilidade dos Estados Unidos.
EUA de Trump não querem bancar segurança alemã
Mas isso parece ter mudado. De passagem pela Alemanha, o novo vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, afirmou na semana passada que a Europa deve arcar com seus próprios custos de defesa e assumir responsabilidade.
A declaração irritou o conservador Friedrich Merz, líder da União Democrata Cristã (CDU) principal candidato ao cargo de chanceler federal alemã, que afirmou: "Estamos diante de um momento histórico: as garantias de segurança dos EUA estão sendo questionadas, e os americanos estão colocando em dúvida as instituições democráticas." E tudo isso numa velocidade frenética.
Mudança de postura em relação à China
O país está num momento decisivo, argumenta Roderich Kiesewetter, especialista em política externa da bancada da CDU no Bundestag, a câmara baixa do parlamento alemão. Segundo o deputado, a democracia e o Estado de direito estão cada vez mais ameaçados na Alemanha, e o país precisa entender isso.
Como exemplo disso, Kiesewetter cita a China, que estaria fazendo de tudo para expandir sua influência e tornar países democráticos como a Alemanha mais dependentes de si.
Segundo o parlamentar, Berlim não está priorizando os próprios interesses estatais e econômicos, mas precisa fazê-lo. "Do contrário, as consequências econômicas serão massivas, e a Otan perderá sua capacidade de dissuasão."
Kiesewetter defende uma "reorientação estratégica e política clara na política externa e de segurança". "A antiga mentalidade de apaziguamento e a ingenuidade em relação à China não combinam com essa nova abordagem – pelo contrário, são contraproducentes."
Papel da Alemanha na Ucrânia
Há também mudanças à vista na política em relação à Ucrânia. Com a invasão russa em 24 de fevereiro de 2022, a Alemanha se tornou o maior apoiador militar de Kiev depois dos EUA, e o país que mais acolheu refugiados ucranianos.
Agora, o risco é de que um acordo para encerrar a guerra seja negociado apenas entre os EUA e a Rússia. Nesse cenário, caberia à Alemanha e outros países – essencialmente europeus, ao que tudo indica – garantir o acordo com o envio de suas próprias tropas. O presidente americano, Donald Trump, já declarou que não assumirá essa responsabilidade.
Resta saber se a população alemã aceitará o envio de militares alemães em missão de paz à Ucrânia. A medida é apoiada por 49% e rejeitada por outros 44%, segundo uma pesquisa do instituto Forsa.
O atual chanceler federal alemão, o social-democrata Olaf Scholz, insiste na defesa da soberania ucraniana perante a Rússia – posição que, nas atuais condições, ele ou outro governo dificilmente conseguiria impor.
Em entrevista recente à emissora ARD, Scholz disse que discussões sobre a paz são desejáveis, "mas, para nós, está claro que isso não pode significar uma paz imposta e que a Ucrânia não deve ser forçada a aceitar o que lhe for apresentado".
Contudo esse é justamente o cenário que pode acabar se concretizando, e cuja perspectiva assombrará o próximo governo.
Fortalecimento maciço das Forças Armadas
Seja qual for o cenário, a Alemanha, idealmente em cooperação com outros países-membros da UE, precisa se concentrar numa defesa própria eficaz. Nas contas do deputado federal Toni Hofreiter, do Partido Verde, isso não sairia por menos de 500 bilhões de euros.
Merz, provável novo líder alemão, defende que o país assuma a liderança na UE para alcançar esse objetivo. "Todos esperam que a Alemanha assuma uma responsabilidade maior pela liderança. Eu venho avisando isso repetidamente. A Alemanha é, de longe, o país mais populoso da Europa. Está localizada no centro geoestratégico do continente europeu. Precisamos desempenhar esse papel."
Para o conservador, o fortalecimento da Defesa alemã não é importante apenas no contexto da Ucrânia: "Trata-se da paz na Europa diante da agressão russa, que também nos atinge todos os dias aqui na Alemanha – com ameaças à nossa infraestrutura e aos cabos de dados no Mar Báltico."
Apoio inabalável a Israel
No que diz respeito ao Oriente Médio, a influência alemã continuará sendo limitada, como era no passado. O próximo governo seguirá o princípio da "razão de Estado", ou seja, o compromisso inabalável com o direito de existência de Israel. Também continuará apoiando a solução de dois Estados – um para israelenses e outro para palestinos –, mesmo que isso pareça cada vez mais improvável.
Expansão de gastos militares
O que tudo isso significa na prática? O foco principal parece ser a construção de uma capacidade própria de defesa, algo que o atual ministro da pasta, o social-democrata Boris Pistorius, já reivindicava em outubro de 2023, ao citar a necessidade de "aprontar a Alemanha para a guerra".
Desde o verão de 2022, a modernização das Forças Armadas alemãs tem sido bancada por um fundo especial de aproximadamente 100 bilhões de euros – financiado por novas dívidas. O dinheiro vai acabar em 2028. A partir daí, os gastos anuais com defesa, atualmente em torno de 50 bilhões de euros, poderão subir para 80 ou até 90 bilhões.
O debate sobre como financiar isso – se por meio de mais endividamento ou cortes em outras áreas do Orçamento – acirra a campanha eleitoral.
Para Kiesewetter, da CDU, esse aumento drástico é essencial para o futuro governo, porque os EUA só levarão a Alemanha a sério com um forte investimento militar. "A UE precisará oferecer um pacote mínimo para garantir que os EUA permaneçam um parceiro forte, tanto na Europa quanto na Otan."
Novos parceiros no Oriente Médio e América do Sul?
Por isso a ministra alemã do Exterior, Annalena Baerbock, do Partido Verde, soa quase desesperada quando insiste que a resposta a todas as mudanças no cenário global deve ser um esforço conjunto da UE.
"Somos 450 milhões. Temos o maior mercado interno comum do mundo. Firmamos novas parcerias. E agora precisamos usar tudo isso em conjunto, sem nos perder em detalhes insignificantes."
Essas novas parcerias incluem, por exemplo, cooperações com os países da região do Golfo e da América Latina, como o acordo Mercosul-UE, selado em dezembro de 2024.