Tragédia no Rio Grande do Sul reforça importância da prevenção. O que São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte têm feito para enfrentar as chuvas extremas.Perto de completar um ano das enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul, outras regiões do país ainda enfrentam impactos de chuvas intensas. Em abril, capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte registraram alagamentos e prejuízos. O cenário reacende o debate sobre os planos e ações de prevenção das cidades mais ricas do Brasil diante de um problema que se repete a cada temporada de chuvas.
Em São Paulo, os dados do Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) da prefeitura indicam que choveu 134,8 milímetros neste mês até agora, o que representa um volume 115,7% acima da média esperada para abril. A cidade afirma ter investido em piscinões, limpeza de córregos e obras estruturais, mas parte dessas medidas ainda está em execução ou depende de parcerias com outros órgãos.
No Rio, as chuvas também causaram transtornos em vias expressas e áreas de encosta. O município tem um plano de contingência que inclui sirenes em comunidades com risco geológico e centros de monitoramento, mas especialistas ouvidos pela reportagem da DW apontam limitações na prevenção, principalmente em regiões mais vulneráveis.
Já Belo Horizonte sofreu com alagamentos e deslizamentos, mesmo após a adoção de medidas como o reforço do sistema de alerta e intervenções em bacias hidrográficas.
O levantamento nas capitais mostra que, apesar dos investimentos pontuais, ainda há desafios na coordenação entre os diferentes níveis de governo e na implementação de políticas de longo prazo para conter os impactos das enchentes.
Mas como essas cidades estão se preparando para lidar com as chuvas e o que a tragédia no Sul do país pôde "ensinar"?
São Paulo
Para reduzir os impactos das chuvas de verão, a Prefeitura de São Paulo colocou em prática o novo ciclo do Plano Preventivo de Chuvas de Verão (PPCV), que funcionou até março deste ano. A estratégia reunia 13 órgãos municipais e incluía ações como limpeza de bueiros, poda de árvores, construção de reservatórios e monitoramento de encostas com sensores, drones e câmeras.
"Hoje temos um sistema de alerta muito mais eficaz. Usamos imagens de satélite, radares meteorológicos e câmeras em pontos críticos para antecipar problemas", afirma Renato Nalini, secretário executivo de Mudanças Climáticas. Desde 2021, foram entregues cinco novos piscinões e outros oito estão em obras, segundo a prefeitura.
Outra frente de atuação é o Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), lançado em junho do ano passado, que prevê obras em áreas vulneráveis e o monitoramento contínuo de encostas com apoio da Universidade de São Paulo (USP).
De acordo com Nalini, a cidade também investe em ações de assistência direta às famílias afetadas por enchentes. "O Cartão Emergencial, por exemplo, é um auxílio financeiro de R$ 1.000 para famílias atingidas por desastres naturais. Desde a sua criação, mais de 13 mil famílias já foram beneficiadas", explica. O programa está previsto em lei municipal e foi regulamentado em 2022.
A fiscalização ambiental também foi reforçada com o uso de drones e satélites para identificar ocupações irregulares. Segundo a pasta, a cidade também aposta em planejamento técnico para evitar emergências no futuro. "A mudança climática exige respostas articuladas e integradas. Não basta limpar bueiro ou construir piscinão. É preciso monitorar, planejar e agir rápido em áreas de risco", conclui Nalini.
Rio de Janeiro
Segundo a Prefeitura do Rio de Janeiro, a cidade se preparou para o verão de 2024/2025 com um investimento de R$ 3,3 bilhões em ações para enfrentar os desafios climáticos, como chuvas fortes e calor extremo. Esse valor foi aplicado ao longo dos últimos quatro anos em iniciativas de prevenção, manutenção e monitoramento, abrangendo 36 órgãos e secretarias municipais. As medidas incluem obras de drenagem, contenção de encostas e a modernização da infraestrutura urbana.
Marcus Belchior, chefe-executivo do Centro de Operações e Resiliência (COR-Rio), ressalta a importância da tecnologia no planejamento para enfrentar esses desafios. 'O uso de radares meteorológicos e sistemas de monitoramento permite uma resposta mais rápida e eficaz em casos de eventos climáticos extremos", diz Belchior. Recentemente, a Prefeitura instalou um novo radar na Serra do Mendanha, na zona oeste da capital,que vai complementar a rede já existente de satélites e radares para previsões de médio prazo.
A cidade também conta com um sistema de alerta que, por meio de 164 sirenes em 103 comunidades, avisa a população sobre riscos relacionados a chuvas intensas e calor excessivo. Além disso, algoritmos desenvolvidos pelo COR-Rio ajudam a prever tempestades e condições climáticas extremas, proporcionando dados mais precisos para a tomada de decisões e orientações à população, ainda de acordo com a prefeitura.
Entre as ações mais relevantes, está o programa Bairro Maravilha, que desde 2021, segundo a prefeitura, tem transformado a infraestrutura de diversas comunidades com drenagem, saneamento básico e pavimentação. Essas obras visam reduzir o risco de alagamentos e melhorar a qualidade de vida dos moradores.
Além das ações preventivas, a Prefeitura do Rio também contribui com a criação de um manual técnico, em parceria com a ABNT, sobre como implantar centros de operações semelhantes ao COR-Rio em outras cidades brasileiras.
Belo Horizonte
De acordo com o secretário de Obras e Infraestrutura, Leandro César Pereira, a abordagem da Prefeitura de Belo Horizonte é estruturada em três vertentes: prevenção, mitigação e resposta aos eventos climáticos. A prevenção inclui, entre outras medidas, o trabalho realizado pela Defesa Civil para aproximar as comunidades localizadas em áreas de risco e capacitá-las para identificar potenciais perigos. O secretário também destacou podas de árvores, a limpeza de galerias pluviais e a vigilância constante sobre bueiros e córregos.
Além disso, Belo Horizonte tem investido em obras de macrodrenagem e microdrenagem, que visam ampliar as redes pluviais e implantar novas bacias de detenção. "Essas intervenções são fundamentais, considerando que Belo Horizonte possui mais de 700 quilômetros de rios e um relevo acidentado, com morros que aumentam o risco durante períodos de chuvas intensas", diz o secretário.
O Plano de Contingência, por sua vez, envolve a articulação entre diversos órgãos municipais, como a Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, PM e Guarda Municipal, com o objetivo de garantir agilidade.
O município também tem adotado tecnologias de monitoramento, como sensores distribuídos pela cidade que acompanham em tempo real as condições meteorológicas, os níveis dos rios e outras variáveis climáticas. Esses dados são usados para emitir alertas preventivos à população por meio de canais como SMS, WhatsApp e aplicativos como Waze. Recentemente, foi implementada a tecnologia "Cell Broadcast”, que permite o envio de mensagens diretamente aos celulares nas áreas afetadas.
Pereira destacou ainda a importância do Plano Diretor, que estabelece diretrizes para o uso do solo e a ocupação responsável das áreas urbanas.
Ações práticas para combater enchentes
Com o crescimento das cidades e a intensificação das chuvas, especialmente durante o verão, os sistemas de drenagem urbanos têm se mostrado cada vez mais inadequados para lidar com os volumes extremos de água, segundo especialistas ouvidos pela DW.
Pedro Cortes, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP, explica que as cidades brasileiras foram construídas com base em modelos de drenagem pensados para climas temperados, enquanto a realidade local, marcada por um clima tropical, exige soluções mais robustas. "Os sistemas de drenagem nas cidades mais antigas, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, foram feitos com padrões de clima temperado, que não comportam as chuvas intensas e concentradas do verão tropical", explica o professor.
Segundo Valter Caldana, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, as grandes cidades até possuem planos relevantes para lidar com as chuvas, mas eles costumam se concentrar na chamada macrodrenagem, intervenções de grande escala que muitas vezes não chegam à escala local, onde os impactos das enchentes são mais visíveis e sentidos diretamente no dia a dia da população.
A urbanização acelerada também contribuiu para agravar a situação. "À medida que as cidades cresceram e se impermeabilizaram, o volume de água que não é absorvido pelo solo aumentou consideravelmente", afirma. O professor alerta ainda que a previsão de chuvas mais intensas devido às mudanças climáticas também representa um desafio.
"Eventos climáticos como o de São Paulo, em que em poucas horas choveu 80 ou 90 milímetros, são exemplos de como os sistemas de drenagem existentes não são mais suficientes", pontua. Esses eventos, em que o volume de chuva pode equivaler ao total previsto para o mês, exigem a adaptação dos sistemas urbanos.
Abordagem
Uma solução para os problemas de drenagem envolve a combinação de infraestrutura tradicional e alternativas mais sustentáveis. "É preciso adotar uma abordagem mista, que inclua obras como piscinões e melhorias nas galerias pluviais, mas também medidas de infraestrutura verde, como o aumento das áreas verdes e o plantio de árvores", sugere Luciano Zasso, coordenador do curso de Geografia da PUC-RS.
Segundo ele, as árvores ajudam a reter parte da água da chuva, retardando o escoamento e reduzindo o impacto das enchentes. Zasso também destaca a importância de resgatar a permeabilidade do solo, por meio de soluções como jardins lineares e pisos permeáveis. "Esses elementos permitem que a água seja absorvida pelo subsolo, minimizando a carga sobre os sistemas de drenagem", completa.
A construção de piscinões e outras infraestruturas de drenagem tem sido uma das soluções adotadas em cidades como São Paulo. Contudo, Zasso alerta que essas soluções têm limites. "Embora ajudem a armazenar a água da chuva, em eventos de precipitação extrema, a capacidade de armazenamento pode ser superada", diz. Além disso, o descarte inadequado de lixo sólido, que obstrui bueiros e canais de drenagem, também contribui para a intensificação das enchentes.
O especialista ressalta ainda a importância de uma defesa civil bem treinada e de alertas meteorológicos mais precisos. "A antecipação e a qualificação da defesa civil são essenciais para a segurança da população. Além disso, o monitoramento de áreas de risco geológico é fundamental, especialmente em cidades como São Paulo e Belo Horizonte", diz.
Além disso, as cidades precisam melhorar a comunicação com a população sobre riscos de alagamentos. Cortes menciona a utilização de sistemas de alerta, como o que foi implementado em São Paulo, onde as pessoas são informadas sobre chuvas intensas por meio de mensagens em seus celulares. No entanto, ele ressalta que ainda é necessário aprimorar a precisão desses alertas.
"Hoje, os avisos de chuvas intensas cobrem áreas muito grandes, como zonas inteiras de uma cidade. O ideal seria segmentar melhor essas áreas para que as pessoas saibam, com mais precisão, onde estão ocorrendo os maiores riscos de alagamento", reforça.