Fazia cinco anos que o especialista em telecomunicações baiano Antonio Abreu, 33 anos, buscava um alívio para uma ansiedade que contaminava sua vida. Foram várias tentativas, com diversos remédios e combinações de drogas, terminando todas, invariavelmente, em uma grande frustração. Ora o sentimento continuava lá, intacto, ora os efeitos colaterais das medicações apresentavam-se tão intensos que era melhor desistir. Há poucas semanas, por orientação de seu médico, Abreu submeteu-se a um teste genético que revelou como seu corpo respondia à maioria das drogas psiquiátricas. Descobriu que algumas eram metabolizadas rápido demais, o que, para ele, as tornava ineficazes. Outras, de forma muito lenta, evidenciando que, nas doses recomendadas, também não trariam benefício. A partir das informações obtidas com o exame, foi possível desenhar um novo arranjo de remédios, desta vez feito sob medida para as características específicas de Abreu. Ao que parece, o esquema deu certo. “Depois de tanto tempo, acho que agora cheguei no tratamento ideal”, diz.

Calcula-se que 3 em cada dez pacientes com depressão não obtêm melhora com as primeiras medicações receitadas pelo médico

O exame ao qual Abreu se submeteu faz parte de uma estratégia de tratamento que ganha cada vez mais espaço chamada de medicina personalizada. Seu propósito é oferecer os recursos médicos de forma a atender as especificidades de cada paciente, e isso implica conhecer características genéticas que influenciam a maneira pela qual cada um reage aos remédios. Há testes para examinar respostas a medicações indicadas contra diversas doenças (oncológicas, por exemplo).

Na área da Psiquiatria, a expansão de opções é das mais evidentes, até por conta da demanda maior por parte de médicos e pacientes. “A procura por eles está aumentando”, diz o médico Wagner Baratela, assessor médico do Laboratório Fleury, em São Paulo, um dos que disponibiliza o exame. “Os médicos estão mais familiarizados com esse recurso.” O resultado do interesse crescente é a sofisticação dos exames, hoje mais completos. A empresa catarinense GnTech, por exemplo, dispõe de um teste que verifica a reação do paciente a 70 drogas que atuam no sistema nervoso central. “Entre elas, estão antidepressivos, antipsicóticos, ansiolíticos e anticonvulsionantes”, afirma o psiquiatra Guido May, diretor da companhia. O teste é totalmente processado no Brasil. Um kit para a coleta da amostra é enviado ao paciente e o material é submetido ao sequenciamento genético em um laboratório em São Paulo.

LEQUE Exame criado por empresa do médico Guido investiga reação a 70 drogas (Crédito:Rafael Vicente)

No Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, um time comandado pelo psiquiatra Wagner Gattaz foi um dos pioneiros na pesquisa e hoje se destaca na criação de exames do gênero. “Eles representam uma alternativa importante para direcionar melhor os tratamentos”, afirma o médico. Gattaz é um dos mais reconhecidos psiquiatras brasileiros e, ao longo da carreira, deparou-se com vários casos de pacientes que, a despeito de todo cuidado e perícia na hora de prescrever a medicação, não apresentavam a melhora esperada. É frustrante para o médico e decepcionante para o paciente.
Por isso, conhecer qual o melhor remédio para cada um é informação preciosa, particularmente no tratamento de doenças psiquiátricas às vezes difíceis de serem manejadas. Estima-se que 30% dos pacientes com depressão não respondem às drogas usadas como primeira alternativa. “Além disso, muita gente apresenta efeitos colaterais intensos”, afirma o psiquiatra Luiz Henrique Dieckman, de São Paulo. Quem experimenta desconfortos como náuseas, apatia extrema ou ganho de peso tem maior chance de abandonar o tratamento.

Falha na terapia

Nesta área das doenças psiquiátricas, um entendimento equivocado dá um toque de maior crueldade ao problema. Como muita gente – incluindo aí médicos, familiares e às vezes o próprio paciente – ainda manifesta preconceito em relação a enfermidades como a depressão ou o transtorno bipolar, em várias ocasiões nas quais o doente não relata melhora, ou queixa-se dos efeitos colaterais, ele não é levado a sério.

ESTUDO Em São Paulo, amostras do exame da GnTech são submetidas à análise genética (Crédito:Gabriel Reis)

Por enquanto, a maioria dos exames não tem cobertura dos planos de saúde. O preço médio vai de R$ 3 mil a R$ 4 mil. Eles são indicados a pacientes que apresentam efeitos colaterais sérios a ponto de impedir a continuidade do tratamento ou para aqueles que manifestam falha na terapia proposta. Por falha entende-se duas tentativas sem reação positiva, e cada uma delas testando o esquema durante pelo menos seis semanas.

Escolha precisa
Como é feito o teste

1. Amostra de sangue ou de saliva é coletada
2. O material é enviado para o laboratório, onde é submetido ao sequenciamento genético
3. No Brasil, um dos testes analisa 18 genes e 300 variantes relacionadas à metabolização, à toxicidade e à resposta do paciente a 70 medicações que atuam no Sistema Nervoso Central. Entre elas, antidepressivos, antipsicóticos e ansiolíticos
4. Com as informações, o médico consegue apontar com maior precisão a droga que terá maior eficácia e com menos efeitos colaterais

Para quem é indicado
• Pacientes que não respondem aos tratamentos ou apresentam efeitos colaterais intensos
• Doentes que fazem uso de vários outros remédios (para evitar associações medicamentosas)