Suas histórias são divididas entre o antes e depois do tratamento. Primeiro, longos anos de doença, muitas vezes muito dolorosa. Por fim, o que parece ser o milagre da vida sem a doença falciforme.

Dois pacientes diagnosticados com esta doença sanguínea contaram à AFP a sua jornada entre uma etapa e outra.

Ambos querem divulgar as terapias genéticas inovadoras que acabam de ser autorizadas nos Estados Unidos, embora o seu custo exorbitante (até 3,1 milhões de dólares, ou 15,4 milhões de reais por pessoa) ainda as torne inacessíveis para a maioria.

– Preconceito –

Tesha Samuels nasceu em 1982, pouco antes do início dos testes de detecção da doença falciforme, uma enfermidade genética que afeta cerca de 100.000 pessoas nos Estados Unidos e 20 milhões em todo o mundo.

Pessoas negras são a maioria dos que contraem a doença, o que se deve, segundo os cientistas, ao fato de estas células terem evoluído para proteger contra a malária.

Os pacientes com doença falciforme apresentam uma mutação que afeta a hemoglobina, uma proteína dos glóbulos vermelhos que transporta oxigênio. A mutação faz com que os glóbulos vermelhos adotem o formato de uma foice, dificultando o fluxo sanguíneo e o fornecimento de oxigênio.

As consequências podem ser dramáticas: anemia, dor aguda, danos nos órgãos e morte prematura.

Tesha Samuels foi diagnosticada aos dois anos de idade. Aos sete anos, sofreu um ataque de anemia e aos 13 um derrame cerebral que a obrigou a receber transfusões de sangue mensalmente.

Segundo ela, o “preconceito contra as crianças negras que vão ao hospital dizendo que se sentem mal” a fez esperar tanto que as coisas se degeneraram.

Ele estudava medicina na renomada Universidade Howard, mas teve que abandonar o curso devido à doença: precisava de oito horas de transfusões todas as noites.

– “Voltar a viver” –

Em 2018, a sua vida mudou: ela se tornou uma das primeiras pessoas a receber um tratamento que estava então em fase experimental.

Comercializada como Lyfgenia, a terapia usa um vírus inofensivo para fornecer às células uma versão saudável do gene que produz a hemoglobina.

Os médicos primeiro coletam as células-tronco do paciente e, em seguida, a quimioterapia remove as células-tronco da medula espinhal, que são substituídas pelas células modificadas.

Samuels perdeu o cabelo e foi hospitalizada por causa de uma hemorragia nasal que durou 16 horas. Demorou meses para que suas plaquetas voltassem ao normal. Então, recuperou sua energia. “É como voltar a viver”, diz ela agora.

Voltou aos estudos, obteve um diploma e criou uma organização, “Journey to ExSCellence”, para difundir o tratamento entre a população negra americana.

Assim como Samuels, cada paciente que participou do ensaio clínico terá acompanhamento por 15 anos.

– Uma longa luta –

A primeira lembrança que Jimi Olaghere, hoje com 38 anos, tem de sua doença remonta aos oito anos e na Nigéria, sua terra natal, quando precisava parar a cada cinco minutos para descansar e se hidratar quando jogava futebol.

Seus pais o enviaram para morar nos Estados Unidos, onde os cuidados médicos eram melhores, mas sua infância continuou dramática.

Ele não conseguiu concluir os estudos, teve que remover a vesícula biliar e sofreu um infarto. Às vezes, passava 80% do tempo na cama.

Em 2019, soube de um ensaio clínico que usava as tesouras moleculares Crispr. Ele se inscreveu, foi aceito e agora, graças às células-tronco modificadas que recebeu com esse tratamento, chamado Casgevy, está “vivendo um sonho”. Casou, teve três filhos e administra vários comércios.

Ele também quer popularizar essa terapia, especialmente na África.

Para John Tisdale, dos Institutos de Saúde dos Estados Unidos (NIH), responsável pelo ensaio em que Samuels participou, o próximo passo é tornar o tratamento mais barato.

O Medicaid, programa de saúde pública dos Estados Unidos, anunciou que cobrirá o tratamento a partir de 2025, mas ainda há incertezas em relação aos planos de saúde privados.

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