Críticos afirmam que plano de Trump de cobrar 100 mil dólares para vistos H-1B prejudicará a economia americana. Universidades, organizações sem fins lucrativos e startups de tecnologia devem ser as mais afetadas.A proposta levantada na sexta-feira (19/09) pelo presidente dos EUA, Donald Trump, de começar a cobrar uma taxa de 100 mil dólares (cerca de R$ 530 mil) para o visto H-1B, destinado a trabalhadores estrangeiros altamente qualificados, deixou o setor de tecnologia e as universidades do país de cabelo em pé.
O anúncio, publicado no site oficial da Casa Branca, alega que vistos H-1B têm sido "deliberadamente utilizados para substituir, em vez de acrescentar, trabalhadores americanos por mão de obra menos qualificada e com salários mais baixos" e que "o abuso sistemático do programa tem prejudicado nossa segurança econômica e nacional".
Desde sua introdução, em 1990, o programa de vistos H-1B tem sido usado principalmente para levar trabalhadores estrangeiros altamente qualificados à indústria de tecnologia, com um limite para a quantidade disponibilizada a cada ano.
O limite atual é de 65 mil, com 20 mil adicionais para não residentes que concluírem um mestrado ou outro curso de grau superior em uma instituição de ensino dos EUA.
Pessoas em cargos "relacionados à informática" representam atualmente cerca de dois terços dos titulares desse tipo de visto.
Consequências econômicas imediatas
Michael Clemens, professor de economia da Universidade George Mason, no estado da Virgínia, afirma à DW que o anúncio causou "caos extremo" e que muitos aspectos, incluindo sua legalidade, permanecem incertos.
"As pessoas ainda estão tentando entender o que significa o anúncio dessa política extremamente precipitada e chocante. A melhor interpretação que temos até agora, na minha opinião, é que se trata de um pagamento de 100 mil dólares por pessoa que se candidata a um novo emprego", argumenta Clemens.
A declaração de Trump não esclareceu se a taxa se aplicaria toda vez que um portador de visto entrasse novamente nos EUA ou para renovações ou portadores atuais.
Embora a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, tenha dito que haveria apenas uma taxa única de inscrição que não se aplica aos portadores atuais, essa afirmação não bate com o que pensa o secretário de Comércio, Howard Lutnick, que disse na semana passada que a taxa seria aplicada anualmente.
Independentemente dos termos exatos, há uma grande preocupação entre os economistas quanto às implicações imediatas. Clemens acredita que a potencial perda de talentos causaria um "enorme dano econômico" para os EUA.
Jeremy Robbins, diretor executivo da organização apartidária American Immigration Council, prevê que grandes empresas multinacionais transfiram imediatamente suas operações para outros locais se o plano entrar em vigor.
"Veremos isso prejudicar drasticamente nossa capacidade em setores econômicos e de segurança nacional fundamentais, como inteligência artificial e computação quântica. Muitos dos indivíduos talentosos em todo o mundo que querem vir para cá inovar devem começar a procurar outros lugares", diz.
Quem será mais afetado?
Clemens afirma que as universidades e organizações sem fins lucrativos são responsáveis atualmente por mais de um terço dos pedidos de vistos H-1B e que, em grande parte, não teriam condições de pagar taxas tão altas para contratar os trabalhadores de que necessitam.
O plano seria um "golpe devastador na capacidade de qualquer universidade de contratar professores estrangeiros para atrair os melhores e mais brilhantes pesquisadores" e uma "destruição da capacidade de qualquer organização não governamental de contratar essas pessoas".
Outros críticos destacam o impacto negativo sobre startups e empresas de tecnologia menores. Garry Tan, por exemplo, diretor executivo da incubadora de startups Y Combinator, escreveu na plataforma X que a decisão "derruba as startups".
"No meio de uma corrida armamentista de IA, estamos dizendo aos desenvolvedores para desenvolverem em outro lugar. Precisamos que a American Little Tech avance e não um pedágio de 100 mil dólares", critica.
Clemens afirma que seria "praticamente impossível" para startups pequenas contratarem as pessoas necessárias se tiverem que pagar essas taxas: "Isso devastará suas perspectivas".
Grandes empresas do Vale do Silício, como Meta, Google e Amazon, estão entre as maiores usuárias do visto H-1B, dependendo do programa para contratar cientistas e engenheiros. Devido a suas enormes receitas, elas provavelmente poderiam pagar as taxas, mas poderiam também buscar isenções.
Há legitimidade nas alegações de Trump?
A Casa Branca defende que o H-1B está sofrendo abuso e que isso prejudica os trabalhadores americanos. Robbins argumenta que o sistema precisa de reformas, apontando que ele foi projetado no final da década de 1980 e precisa ser atualizado, com atenção especial à forma como as empresas o utilizam e em quais setores. Ele diz que as proteções para os trabalhadores americanos "provavelmente não estão onde deveriam estar".
"É por isso que acho que certas organizações, a exemplo da nossa, têm sido extremamente favoráveis à reforma do sistema H-1B, a fim de garantir que ele sirva para atrair talentos e não para encontrar trabalhadores mais baratos", afirma.
Ele acrescenta, no entanto, que mesmo em um "Estado quebrado", estudos comprovam de forma consistente o quanto o sistema de vistos "cria empregos, impulsiona a inovação e contribui muito para o produto interno bruto".
Robbins também lembra que especialistas do setor de tecnologia dos EUA "não estão sendo prejudicados pelo programa" porque o desemprego entre trabalhadores altamente qualificados tem sido "muito baixo, na faixa de 2% durante grande parte dos últimos 10, 15 anos".
Clemens diz que o dito abuso do programa é "uma realidade", mas acrescenta que já existem regulamentos em vigor para lidar com isso. Como o Departamento do Trabalho dos EUA "investiga frequentemente" o cumprimento das regras pelas empresas, também "encontra violações".
"Certamente, esse é um fator para fazer cumprir a lei e processar as transgressões, mas pegar toda a classe de imigrantes e impor a todos eles uma penalidade astronômica não tem nada a ver com isso", enfatiza.
Quais são as consequências a longo prazo?
Enquanto empresas, universidades, organizações sem fins lucrativos e outros usuários do programa de vistos H-1B tentam desvendar os próximos passos, especialistas concordam que, se o governo Trump prosseguir com a taxa de inscrição de 100 mil dólares, isso prejudicará a inovação econômica dos EUA a longo prazo.
Clemens diz que "décadas de estudos extremamente rigorosos e revisados por colegas" sobre os efeitos dos trabalhadores H1B "apontam consistentemente para um resultado: benefícios para a economia local".
"Onde quer que vão, eles geram mais patentes, causam a formação de mais empresas startups de crescimento elevado, apoiadas por capital de risco, e dinamizam as economias locais", argumenta.
E Jeremy Robbins afirma que um dos "pontos mais fortes" dos EUA é que o país é "um lugar onde as pessoas mais talentosas do mundo querem trabalhar, mais do que qualquer outro", concluindo que seria uma "proposta muito arriscada colocar isso em perigo".