06/11/2024 - 9:22
Beth Roward e Vanessa de Oliveira
Bem abaixo do nível considerado aceitável. É como a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a qualidade do ar de uma das 3 mil cidades analisadas em um levantamento divulgado no final de 2015. São Paulo, por exemplo, apresenta 19 microgramas de partículas PM2.5 (as menores e com maior potencial de atingir diretamente os pulmões) por metro cúbico. O ideal seria uma média de, no máximo, 10 microgramas.
No restante do país, a situação não é mais acolhedora. Dos 45 municípios brasileiros avaliados, apenas cinco estão dentro do padrão – destaque para Porto Alegre e Curitiba, citadas como exemplos bem-sucedidos de planejamento urbano neste quesito. E mais: de acordo com o documento publicado, 92% da população mundial estão expostos a níveis alarmantes de poluição, já considerada o quarto principal fator de risco para a saúde, perdendo apenas para pressão alta, má alimentação e tabagismo. “Inalamos de 10 a 20 mil litros de ar diariamente. Por isso, sua má qualidade causa impactos negativos no organismo e contribui para a incidência do câncer de pulmão, da doença pulmonar obstrutiva crônica e das crises de asma”, diz Clystenes Silva, professor de pneumologia da Unifesp, em São Paulo.
Problemas respiratórios são apenas o começo. Surgem cada vez mais evidências de que a poluição atmosférica coloca em jogo a eficiência do coração, do sistema imunológico e dos neurônios. Um estudo publicado recentemente no periódico Translational Psychiatry (EUA) indica que mulheres que vivem em áreas com alta concentração de PM2.5 estão 92% mais propensas a desenvolverem mal de Alzheimer, condição que afeta as funções cognitivas e motoras. Os autores da pesquisa, cientistas da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, estimam ainda que a má qualidade do ar seja a causa de 20% dos casos da doença.
Mas verdade seja dita: conviver com essas substâncias tóxicas diariamente, mesmo sem nos darmos conta, é uma realidade inevitável para a grande maioria das mulheres, que vivem em grandes metrópoles.
7 milhões morrem de doenças relacionadas à poluição por ano, segundo oms
HAJA FÔLEGO!
Para começo de conversa, é necessário assumirmos a culpa. No Brasil, há um automóvel para cada 4,1 habitantes, segundo dados coletados pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O que há de errado? O escapamento de carros e motocicletas emite partículas poluentes de metais pesados, como chumbo, monóxido de carbono, óxidos de nitrogênio e outros gases altamente poluentes – ônibus e trens emitem os mesmos componentes, porém, em uma proporção bem menor por passageiro, o que os torna alternativas ecologicamente mais corretas.
Também precisamos rever nossos hábitos alimentares. O último levantamento realizado pela MB Agro, que atua no ramo de consultoria em agronomia, aponta que, só em 2015, cada brasileiro consumiu aproximadamente 30,6 kg de carne vermelha. O rebanho bovino do país, aliás, já ultrapassa a marca de 210 milhões de cabeças de gado. Some este número ao fato de que nossos pastos são formados à custa do desmatamento da Amazônia e do cerrado e o resultado será a 5º posição no ranking de países que mais emitem gás carbônico (CO2) do mundo. Isso sem mencionar que a flatulência de bois e vacas possui uma grande quantidade de metano, um gás 21 vezes mais potente que o CO2 na retenção dos raios solares que aquecem o globo.
Vale lembrar que uma das consequências do aquecimento global é o aumento do número de incêndios florestais devido ao clima ficar mais quente e seco ao longo dos anos. E não se engane achando que esta informação é irrelevante para quem mora nos grandes centros: em 2002, logo após a onda de incêndios florestais em Quebec, no Canadá, especialistas em qualidade do ar registram em Baltimore, a 941 km de distância, um aumento de 300% no índice de material particulado (PM) e detectaram uma taxa considerável de bisfenol-A, substância encontrada em itens feitos de plástico e frequentemente associada a distúrbios endócrinos.
A DOENÇA ESTÁ NO AR
Um estudo da Escola Paulista de Medicina comprovou que o acúmulo de poluentes gerados pela queima de combustíveis fósseis, como o petróleo, pode favorecer arritmias cardíacas e o infarto agudo do miocárdio e piorar quadros de hipertensão. “Vários desses componentes lesam o endotério, camada de revestimento interno das artérias, o que causa a liberação de substâncias inflamatórias e a formação de placas que emperram o fluxo sanguíneo”, explica Abrão Cury, cardiologista do Hcor, na capital paulista.
Mulheres, em especial as grávidas e as que estão tentando engravidar, têm motivos ainda mais específicos para se preocupar com o rumo dessa história. “Existem evidências que relacionam a poluição atmosférica aos diagnósticos de câncer de ovário e tumores de mama”, alerta Bárbara Murayama, ginecologista e coordenadora da Clínica da Mulher do Hospital 9 de Julho, em São Paulo. “A conclusão de alguns trabalhos também leva a crer que essas substâncias atrapalham a fertilidade e interferem no andamento da gestação, elevando o índice de aborto espontâneo”, completa Bárbara.
Cientistas da Escola de Medicina da Universidade de Utah, nos EUA, vão além: a chance de cometermos suicídio aumenta 20% depois de três dias seguidos em um local muito poluído. A teoria é que a má qualidade do ar dificulta a ação de neurotransmissores ligados ao bem-estar e serve de gatilho para pessoas geneticamente predispostas à depressão. “Ainda é cedo para dizer que a poluição prejudica a produção de serotonina ou tem a ver com a proteína beta-amiloide, a que causa o mal de Alzheimer. No entanto, é comprovado que seus compostos químicos podem gerar inflamações cerebrais que resultam em demência”, comenta Leandro Gama, neurologista do Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo.
UM POUCO DE AR FRESCO
A boa notícia é que dá para se proteger desse montão de encrencas. Primeiramente, dê uma olhada na qualidade do ar da sua cidade antes de sair de casa. Para isso, existem sites como o da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (cetesb.com.br) e uma porção de aplicativos, como o Air Global Quality (IOS) e o Visibility (Android). Se a situação estiver preta – ou melhor, cinza –, não hesite em lançar mão de respiradores descartáveis ou reutilizáveis e limite o tempo que vai passar na rua.
Outra boa dica é colocar o corpo em movimento. “Praticar atividade física regularmente auxilia na circulação do sangue e na oxigenação do organismo, amenizando os efeitos nocivos da poluição”, declara Daniel Deheinzelin, pneumologista do Núcleo de Doenças Pulmonares e Torácicas do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Se não puder treinar em uma área arborizada, tente ao menos ficar o mais distante possível das avenidas e opte pelo horário da manhã – antes das 10h os níveis de ozônio costumam estar mais baixos.