Na esteira da megaoperação de combate ao Comando Vermelho, que deixou pelo menos 121 mortos em favelas do Rio de Janeiro, sete governadores de oposição ao presidente Lula (PT) anunciaram a formação de um “Consórcio da Paz”, pelo qual deverão prestar apoio mútuo nas ações contra o crime organizado.
A ação conjunta dos governadores resultou de um gesto político de apoio a Cláudio Castro (PL-RJ) por seus aliados, em reação às críticas que o ocupante do Palácio da Guanabara recebeu de setores da esquerda pela letalidade da operação.
A iniciativa é uma contraposição aos planos do governo federal para a matéria da segurança pública e, como explica a IstoÉ neste texto, antecipa a exploração dessa pauta nas eleições de 2026.
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Segurança une oposição e encurrala Lula
Além da gestão fluminense, os seis governos envolvidos no Consórcio da Paz são os de Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal, cujos mandatários compartilham o alinhamento à direita e, no caso de Romeu Zema (Novo-MG) e Ronaldo Caiado (União Brasil-GO), a pré-candidatura à Presidência no ano que vem, quando Lula deve concorrer à reeleição.
O acordo firmado prevê que os estados troquem informações de inteligência, apoio financeiro, compartilhem contingente policial e comprem equipamentos em consórcio. Não há clareza ainda sobre como estes objetivos serão operacionalizados.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ainda defendeu mudanças na legislação, incluindo o enquadramento das facções como grupos terroristas, visando o endurecimento de penas para delitos cometidos por seus integrantes. Na avaliação de analistas, a agenda é mais efetiva para conquistar eleitores do que a defesa de bandeiras como a anistia, mais caras a Jair Bolsonaro (PL).

Policiais vigiam suspeitos de crimes presos durante a Operação Contenção na favela da Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, Rio de Janeiro, em 28 de outubro de 2025 – AFP
Em março de 2024, os sete governos do Sul e do Sudeste haviam assinado um pacto para criar um gabinete comum de inteligência para a segurança pública. A iniciativa já previa ações compartilhadas entre os estados e foi interpretada por analistas como uma iniciativa alternativa à PEC da Segurança Pública, principal projeto do governo Lula na área, que prevê a integração de ações entre as forças federais e estaduais.
Aprovada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados, a PEC enfrenta resistências para avançar no Legislativo e teve a tramitação acelerada por decisão do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), como reportou o PlatôBR.
Em entrevista à IstoÉ, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSD), disse que o projeto do governo federal demonstra um ímpeto em tirar das gestões estaduais o controle sobre as forças de segurança. “O ímpeto deste governo sempre foi muito maior no sentido de controle das polícias e da própria atuação do Estado do que do enfrentamento qualificado ao crime organizado”, afirmou.
Elogios na direita, questionamentos de ONU e Defensoria
Pressionado pela Justiça, parlamentares e entidades a explicar a alta letalidade da ação policial nos complexos do Alemão e da Penha, Castro classificou a operação como um sucesso e disse que as únicas vítimas foram os policiais mortos.
O mandatário respalda seu discurso nos elogios de agentes com experiência de combate, como o ex-comandante do Bope André Luiz de Souza Batista e o capitão Rodrigo Pimentel, autores do livro “Elite da Tropa”, que inspirou o filme “Tropa de Elite”.
“Uma operação eficiente não teria policiais mortos, mas 113 presos e 119 criminosos mortos com 97 fuzis e 26 armas leves apreendidas fora de circulação refletem êxito em relação ao resultado operacional“, afirmou Batista à IstoÉ.
Em vídeo publicado nas redes sociais, o governador fluminense exibiu elogios à ação também no campo político. Para Tarcísio, a operação foi realizada “com muita excelência”. Já segundo Caiado, tratou-se de “um exemplo para o país”. O governador de Goiás, vale lembrar, considera a agenda de combate ao crime prioritária para desgastar o governo federal, que atravessa uma maré de aprovação.
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Romeu Zema, por sua vez, deu os “parabéns a todos que participaram dessa operação, que, eu tenho certeza, foi muito bem planejada, pelos resultados obtidos”. Segundo ele, a ação dos policiais não deveria ser considerada a mais letal, mas sim a mais bem-sucedida da história recente do Brasil.
Por outro lado, a Defensoria Pública do Rio afirma que o número de mortos pode chegar a 132 e alertou para possíveis violações e abusos. A ONU (Organização das Nações Unidas) expressou extrema preocupação, pedindo investigações e uma reforma do policiamento.
“A longa lista de operações que resultam em muitas mortes, que afetam desproporcionalmente pessoas negras, levanta questões sobre a forma como essas incursões são conduzidas”, disse uma porta-voz do secretário-geral da organização, António Guterres.
*Com informações de Deutsche Welle e Agência Brasil