Maioria dos envolvidos no comércio ilegal nas redes tem até 30 anos, segundo estudo recente. Conteúdos online que exibem bichos silvestres mantidos como pets impulsionam mercado.Após dias de investigação, policiais e agentes ambientais encontraram, em meados de maio deste ano, uma filhote de macaco-prego escondida dentro de uma pequena bolsa preta. Com sinais de estar dopada, ela havia sido caçada e capturada por um casal dentro do Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro. Os traficantes pretendiam vender o animal pelas redes sociais ou em feiras clandestinas.
O caso exemplifica um fenômeno cada vez mais preocupante no tráfico de animais: o uso da internet e das redes sociais para compra e venda ilegal de bichos selvagens, com protagonismo da juventude. Uma pesquisa da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), finalizada em abril, revelou que a maioria dos internautas que comercializam espécies silvestres têm até 30 anos.
Essas negociações são feitas, geralmente, em grupos do WhatsApp, Facebook e Telegram. "A Renctas está presente em cerca de 800 grupos. Há uma quantidade absurda de troca de mensagens. A média é de 5 mil a 6 mil por dia. Mas já houve dias em que tiveram 70 mil", descreve Dener Giovanini, coordenador-geral da Renctas.
Outro fenômeno que se espalha pelas redes sociais, também relacionado à juventude, é a exibição de animais silvestres. "O influencer bota roupinha do Flamengo no filhote de macaco, dá coxinha e sai com ele na rua, onde as pessoas querem tirar foto. Tudo gera like. Muitos jovens olham aquilo e dizem: ‘Nossa, eu quero um também'", afirma o chefe substituto do Núcleo de Fiscalização da Fauna (Nufau) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Bruno Ramos.
Segundo o Ibama, ao dar visibilidade a esse tipo de conteúdo, os internautas fomentam o desejo de outras pessoas de adquirir esses animais. Por isso, em parceria com a ONG WWF-Brasil, o instituto lançou a campanha "Se não é livre, eu não curto". O objetivo é conscientizar a população sobre o tema, para que evite interagir com conteúdos que exploram as espécies silvestres e denuncie a violação dos direitos dos animais.
Tráfico ou hobby?
A Renctas analisou quase três mil mensagens no WhatsApp sobre o tráfico de animais no segundo semestre de 2023. Cerca de 80% das pessoas identificadas tinham entre 11 e 30 anos.
"[Isso] demonstra que o tráfico online tem forte apelo entre públicos mais jovens, familiarizados com o uso de redes sociais, aplicativos de mensagens e plataformas de e-commerce. Essa faixa etária cresceu em meio à cultura digital e sabe como operar com discrição, utilizando mecanismos como perfis falsos, linguagens cifradas e redes criptografadas", apontou o relatório.
Na análise do coordenador-geral da Renctas, os jovens também atuam no tráfico de animais pela possibilidade de ganhar dinheiro rápido com pouco investimento, aliado à percepção de baixo risco das consequências.
Os anúncios envolvem uma enorme variedade de animais, como escorpiões, saguis, papagaios, araras, cobras, tartarugas, iguanas e até mesmo formigas. Um vendedor postou um vídeo em um desses grupos de um filhote de macaco tomando mamadeira, incentivando-os com a seguinte frase: "Vem realizar seu sonho."
Em um dos grupos do Facebook, um perfil anônimo postou a foto de uma naja, uma cobra venenosa: "Nao é barato. Nao é para quem começou agora no hobby. Não vou responder a perguntas do tipo 'o que ela come'." O anúncio mostra que grande parte desses internautas sabe o que faz: ao chamar de "hobby", mascaram a prática ilegal de tráfico de animais.
"A expressão mais usada por eles é 'nós somos hobbistas'", relata Giovanini. Segundo ele, há ainda um componente de vaidade na prática. "Entre essa turma jovem, você percebe que existe aquela coisa do 'eu quero o maior', 'eu quero o mais perigoso', 'quero o mais raro'."
Na última terça-feira (17/06), uma operação da Polícia Civil do Paraná junto com o Ibama mostrou a força da internet no tráfico de animais. Após dois anos monitorando grupos virtuais, os policiais prenderam 16 pessoas em flagrante nos estados do Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Minas Gerais. Além disso, resgataram mais de mil animais, como cobras, pássaros, sapos, tartarugas, macacos, lagartos e até axolotes, uma espécie de anfíbio ameaçada de extinção.
O circo das redes sociais
Há pouco tempo, era comum a presença de animais selvagens em circos no Brasil. Com denúncias de maus-tratos, conscientização da população e aprovação de leis municipais e estaduais restringindo a prática, essa atração praticamente deixou de existir. "A gente conseguiu eliminar o uso de animais em circos. Mas hoje estamos percebendo o circo virtual", afirma Bruno Ramos, do Ibama.
Os influenciadores, segundo ele, estão usando animais selvagens, como filhote de macaco, capivara, arara, saruê e quati, por exemplo, como animais domésticos, os chamados pets. Além disso, os exibem em atitudes humanas, com o uso de fraldas e alimentação inadequada, como pipoca, coxinha e refrigerante. "Eles entenderam que isso dá like e monetização."
Na visão do agente ambiental, a exposição desses animais em redes sociais gera um efeito manada, principalmente entre jovens, que passam a querer ter um desses bichos.
Ele cita uma situação que viveu em 2024, quando esteve no Rio de Janeiro para participar de uma apreensão de macacos de origem ilegal. Ao sair para almoçar, foi interpelado por uma garotinha: "Você é do Ibama? Como eu faço para ter um macaco?" Surpreso, ele explicou que ela não podia ter um animal silvestre. "Nossa, mas tem um monte de gente no TikTok com macaco", retrucou a menina.
Como combater o tráfico de animais?
Há duas formas principais de combater o tráfico de animais, segundo os especialistas: educação ambiental e aprimoramento da legislação.
A campanha do Ibama e do WWF busca conscientizar, mostrar "um lado que muita gente nem imagina, que é o quanto as nossas curtidas e compartilhamentos nas redes sociais podem alimentar o tráfico de animais silvestres", afirma Anna Carolina Lins, analista de conservação do WWF-Brasil. "Às vezes a gente vê um vídeo fofinho, engraçadinho e acaba compartilhando sem nem pensar. Mas por trás disso tem uma cadeia de muito sofrimento, de maus-tratos e até de crime ambiental."
Para a analista, a juventude tem um papel essencial nessa causa, porque é quem mais está nas redes. "O primeiro passo para ajudar a combater o tráfico de animais é simples: parar de engajar com conteúdos que mostram animais como se fossem bichos de estimação ou em qualquer situação fora do natural deles. Isso já ajuda muito, porque esse tipo de conteúdo só continua circulando porque dá engajamento."
Do ponto de vista da legislação, há diversos projetos tramitando no Congresso buscando aumentar a punição dos traficantes e receptores. Atualmente, conforme a Lei de Crimes Ambientais, a pena para o tráfico de animais varia de três meses a um ano, além de multa.
Um dos projetos, o PL 347, de 2003, defende que a pena de reclusão seja de 2 a 5 anos se o crime for permanente, em grande escala ou em caráter nacional ou internacional. No dia 11 de maio, em uma audiência pública na Câmara dos Deputados, o cantor Ney Matogrosso defendeu a proposta.
"É por essa razão que estou aqui. Eu apoio totalmente esse projeto. Se não for assim, não vai mudar. Enquanto as pessoas não se sentirem ameaçadas, elas não vão mudar a maneira de pensar", disse o artista.
O coordenador-geral da Renctas, Dener Giovanini, no entanto, é contra o aumento de pena. Para ele, seria mais efetivo que as multas, que muitas vezes não são pagas, fossem realmente cobradas ou que tivessem alguma influência na vida do infrator, como suspensão da carteira de motorista e passaporte ou a inserção do nome no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).
Milhões de animais traficados
A Renctas estima que 38 milhões de animais são traficados por ano no Brasil. A captura costuma ser extremamente cruel. É comum os caçadores matarem os macacos adultos para pegar seus filhotes. Há casos de traficantes que usam redes de malha fina para capturar aves, deixando-as por dias na floresta.
Além disso, a maioria morre durante o transporte, porque são levados em carros, caminhões ou ônibus escondidos por dias, sem água ou comida.
Com 25 anos de experiência no combate ao tráfico, Giovanini nunca se esqueceu de uma cena que presenciou há cerca de dez anos, quando participou de uma abordagem nas estradas de Brasília.
Em uma blitz, ele viu algumas caixas se moverem dentro de um caminhão e alertou um policial. Dentro, havia 30 garrafas de café fechadas. Cada uma delas abrigava um sagui, dando para ver apenas seus pequenos olhos. Mas apenas alguns estavam vivos.