Candidata democrata à presidência dos Estados Unidos, Kamala Harris anunciou Tim Walz, governador de Minnesota, como seu candidato a vice nas eleições de novembro nesta terça-feira, 6.

Elogiada por Joe Biden, a definição ganhou importância ainda maior devido à imprevisibilidade da disputa da vice-presidente contra Donald Trump.

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Favorito no início da corrida, o ex-presidente viu sua vantagem se dissipar desde que Joe Biden desistiu de concorrer à reeleição, mas os movimentos democratas sinalizam esforços para ganhar terreno onde a popularidade do republicano prevalece.

Para entender a escolha de Harris e quais impactos Walz pode ter na campanha pela Casa Branca, o site IstoÉ ouviu  Neusa Bojikian, integrante do INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) para estudos sobre os EUA, e Vitelio Brustolin, pesquisador na Universidade de Harvard e professor adjunto da Universidade de Columbia.

Qual importância o vice terá na campanha democrata?

Neusa Bojikian Há uma tendência em não se perceber a relevância do vice na chapa, porque há muito trabalho de bastidor, e os efeitos desse esforço acabam sendo capitalizados por quem ocupa o cargo de presidente. Por outro lado, os eventuais fracassos têm que recair sobre uma figura, que no caso seria sobre quem ocupa o cargo de vice.

Para cumprir esse papel, Tim Walz é um nome forte. Ele é um político experiente e com atuação reconhecida em diferentes áreas. Parece ser uma figura capaz de agradar progressistas e independentes, além de republicanos que estão procurando alternativa a Trump.

No caso da chapa democrata, o principal empenho é pela mobilização de doadores e dos próprios eleitores na campanha. Walz também tem um papel neste sentido, já que pode angariar votos de eleitores no centro-oeste, região crítica para conquistas do Colégio Eleitoral e despertar confiança de eleitores dos estados de batalha, como Wisconsin, Michigan e Pensilvânia. Walz ainda possui algumas credenciais que tendem a chamar atenção dos
progressistas – como as defesas da legalização da maconha, da reforma policial e dos direitos reprodutivos das mulheres. Ao mesmo tempo, ele não é um político que tende a ser repelido por uma parcela dos conservadores – ele defendeu interesses de zonas rurais: interesses agrícolas e, inicialmente, apoiou o direito às armas.

Vitelio Brustolin Os democratas estabelecem uma espécie de contraponto à estratégia de Donald Trump na definição do vice: o ex-presidente foi criticado por escolher J.D.Vance, visto como um “Trump mais jovem” por atrair o mesmo perfil de eleitor. A lógica, no caso democrata, é usar o vice para atrair um eleitorado para quem a própria Kamala Harris não é convincente.

Quais fatores políticos podem ter pesado para a escolha de Walz ante outros postulantes à vaga, como Josh Shapiro, governador da Pensilvânia, um estado-pêndulo?

Neusa Bojikian O estado de Minnesota, embora não seja tão decisivo como a Pensilvânia na disputa, carrega uma importância estratégica para atrair eleitores do centro-oeste, uma área realmente importante para garantir votos do Colégio Eleitoral. Como o governador Walz é um político com histórico bom na vizinhança, ele tem potencial de tocar os eleitores dos estados vizinhos a Minnesota. Não é uma figura estranha aos valores e percepções de mundo da região. Essa fronteira é importante e é preciso alguém que compreenda e fale a língua política local.

Vitelio Brustolin Ao mesmo tempo em que governa Minnesota, um estado que vota nos democratas desde 1972, Walz é capaz de se comunicar com os eleitores do cinturão mais conservador e atrair parte desse eleitorado. Além disso, pesou na decisão o fato de que Shapiro é judeu, o que poderia repelir a ala mais progressista e jovem da militância democrata [associada à defesa da Palestina].

A campanha busca atrair um voto conservador mais ao centro, de um perfil de trabalhadores ‘red neck’, do centro dos EUA, rurais, o americano médio, o voto branco, e ao mesmo tempo não ficar exposta a questões envolvendo a guerra entre Israel e Hamas e também os conflitos entre Israel e o Hezbollah.

Em relação a Kamala Harris, o indicado a vice pode ser considerado um político mais progressista? Traçando um paralelo com a chapa Biden-Harris, quais são as principais diferenças do ponto de vista de alinhamento político?

Neusa Bojikian Walz é um político mais progressista do que todos os candidatos democratas anteriores à vice-presidência. As defesas já mencionadas — legalização da maconha, o avanço da reforma policial e a proteção dos direitos ao aborto — sinalizam neste sentido e estão alinhadas às prioridades da ala progressista do partido Democrata.

Em 2020, a chapa Biden-Harris representou uma abordagem assumidamente centrista, que tentou unificar uma ampla coalizão de democratas, independentes e republicanos descontentes. A longa trajetória de Biden na política e o histórico de Harris como promotora os posicionaram como figuras experientes, mas eles eram parte do establishment dentro do partido. A chapa atual é uma tentativa de reinvenção, de apresentar soluções diante das demandas de eleitores mais jovens e comunidades minoritárias.

Vitelio Brustolin A chapa Biden-Harris tinha uma formação em que o candidato à presidência estava ao centro em relação à vice, o que é revertido na chapa Harris-Walz. O governador é um político entendido pela própria campanha como muito semelhante aos eleitores que vêm sendo perdidos pelos democratas para os republicanos. Ele vem de uma região rural, serviu à Guarda Nacional do Exército e se tornou professor no Nebraska; atrai uma fatia de votos que interessa na disputa contra Trump.

Do ponto de vista do perfil de atuação na campanha, Walz não é um candidato carismático — o que é admitido até pelos democratas. Ele é atencioso, simpático, reconhecido como trabalhador, como empenhado nas causas partidárias. Ele até teve algumas frases de efeito contra Trump e J.D. Vance, mas, ao analisar declarações de estrategistas republicanos, eles estão aliviados de Mark Kelly, senador do Arizona, ou do próprio Shapiro não terem sido escolhidos para o posto.