Como a crise global do cacau fez os preços do chocolate disparar

Como a crise global do cacau fez os preços do chocolate disparar

"GrandesQuebra de safra africana por praga, histórico de baixo investimento e mudanças climáticas levam a preços recordes do cacau. Impacto no custo do chocolate também é sentido no Brasil.O aumento do preço do cacau a níveis recordes atinge produtores, fabricantes e consumidores de chocolate a nível global. O valor da amêndoa no mercado mundial disparou no final de 2024, ano em que atingiu o maior custo da última década. A escalada tornou a commodity mais cara do que o cobre, e os preços se mantiveram altos em 2025.

Porém, enquanto grandes fabricantes de chocolate devem conseguir manter seus lucros, a baixa oferta pressiona principalmente os agricultores.

A quebra da safra de produtores africanos é tomada como o principal motivo dos custos elevados. Cerca de 65% das amêndoas de cacau do mundo vêm de quatro países da África Ocidental: Costa do Marfim, Gana, Nigéria e Camarões. Mas uma colheita catastrófica atingiu a região em 2024, derrubando a oferta disponível do produto no mercado.

No centro do problema está a dispersão de um vírus que causa a doença do broto inchado do cacau (CSSV, da sigla em inglês). O agente infeccioso se espalha de árvore em árvore e pode reduzir a produtividade em 50% em apenas dois anos.

Um relatório da Organização Internacional do Cacau mostrou que 81% das plantações em Gana – o segundo maior produtor de cacau do mundo – estão infectadas com o CSSV. A doença também se espalha na Costa do Marfim e já afetou cerca de 60% da produção mundial.

Além disso, a ONG americana Climate Central também atribui o problema às mudanças climáticas, que tornam as temperaturas mais elevadas em lugares como Costa do Marfim, Gana, Camarões e Nigéria.

Um estudo realizado pela organização com sede em Nova Jersey mostra que temperaturas acima de 32°C podem reduzir a qualidade e a quantidade das colheitas, razão pela qual o calor excessivo afetaria negativamente as principais regiões produtoras de cacau.

Além disso, o chamado fenômeno climático El Niño levou a um período prolongado de chuvas ou secas, prejudicando a produção.

No Brasil, sexto produtor mundial de cacau, dados da Agência Brasil indicam que a perspectiva é de aumento da safra, depois de uma série de quedas. Investimentos em novas áreas de produção e no processamento do cacau impulsionam a colheita.

A produção no país, porém, também é afetada pelos altos custos e volatilidade do mercado, o que leva a um aumento dos preços dos produtos derivados, principalmente com a chegada da Páscoa.

Ainda segundo a Agência Brasil, os preços dos ovos de chocolate e derivados nesta Páscoa estão 14% mais caros em comparação com o ano passado, conforme divulgação da Associação Brasileira de Supermercados. Mesmo com o crescimento da safra, a expectativa é que o setor produza 20% menos ovos de chocolate neste ano.

Preços altos, lucros ainda maiores

O alemão Oliver Coppeneur, que produz chocolate na pequena Bad Honnef, na Alemanha, desde a década de 1990, é um dos muitos fabricantes que precisou aumentar o custo do seu produto após a quebra de safra.

Coppeneur disse à DW que a escalada dos preços do cacau tornará "os produtos de chocolate igualmente caros", o que poderia eventualmente resultar em uma "diminuição significativa no volume" do mercado.

Até agora, porém, ele está lidando com a situação sem demitir seus funcionários, e tenta manter os preços estáveis.

Citando dados oficiais do governo, a agência de notícias Bloomberg afirmou que "pelo menos uma dúzia de empresas familiares de chocolates fecharam em toda a Europa" em 2024.

Os varejistas de confeitos alemães Arko, Hussel e Eilles entraram com pedido de proteção contra falência em 2024.

Enquanto isso, a escassez de cacau também é sentida diretamente pelos consumidores europeus, com os preços do chocolate aumentando 35% desde 2020.

Mas Friedel Hütz-Adams, pesquisador do Instituto Südwind em Bonn, Alemanha, entende que os grandes fabricantes europeus de chocolate "geralmente têm conseguido repassar o aumento dos preços do cacau" aos consumidores.

"Seus lucros estáveis no ano passado indicam que pelo menos as grandes empresas conseguiram lidar com os preços altos (…) e, em alguns casos, até conseguiram obter lucros maiores do que antes", disse ele à DW.

A fabricante suíça de chocolates Lindt, por exemplo, disse em janeiro que enfrentou um "ano desafiador, caracterizado por custos de cacau recorde, aumentos substanciais de preços e enfraquecimento do sentimento do consumidor". Acrescentou ainda que, para compensar os custos, teve de "ajustar seus preços" e teria de fazer o mesmo este ano.

As próximas gerações ainda terão chocolate?

Clay Gordon, criador do TheChocolateLife, uma comunidade online para "chocófilos e aspirantes a chocófilos", defende que o chocolate tem sido, historicamente, "um alimento à prova de recessão". Ele afirma no site da plataforma que "as pessoas compram chocolate para se sentirem felizes".

Hütz-Adams, do Südwind, entende que as vendas relativamente estáveis das fabricantes são uma indicação de que "os clientes são capazes de lidar com os preços mais altos e continuam a comprar chocolate".

No entanto, ele observou que, durante anos, a maioria dos agricultores da África Ocidental "quase não teve recursos para implementar boas práticas agrícolas", o que levou a um declínio no rendimento das colheitas por hectare.

Segundo ele, os preços persistentemente baixos do cacau nos anos anteriores levaram os trabalhadores a não serem pagos e ao trabalho infantil generalizado.

"Violações maciças dos direitos humanos são comuns e podem diminuir no futuro devido aos preços mais altos", acrescentou Hütz-Adams.

O produtor Oliver Coppeneur também entende que o preço do cacau tem sido tão baixo ao longo das décadas que os agricultores não têm tido recursos para aumentar sua produção.

Assim como outros especialistas do setor, ele adverte que, sem investimentos em rendimentos mais altos e colheitas resistentes às mudanças climáticas, as oscilações no preço serão inevitáveis no futuro.

"As próximas gerações [de produtores] precisam se perguntar: 'Queremos continuar com esse trabalho, queremos continuar trabalhando na fazenda?", disse Coppeneur, acrescentando que, se as empresas de chocolate não investirem nos produtores de cacau, "não devemos nos surpreender se a próxima geração não tiver mais ninguém".