Senadores de oposição ao governo Lula (PT) pretendem se reunir nesta semana com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), com o objetivo de protocolar uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) para investigar o esquema bilionário de desvios de aposentadorias e pensões de beneficiários do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Revelado pelo site Metrópoles, o escândalo provocou operações policiais e a demissão de um ministro, mas a perspectiva de que opositores desgastem ainda mais a gestão federal moveu petistas em direção à investigação parlamentar. Neste texto, a IstoÉ explica esse xadrez.
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Oposição à frente
Nos dois campos do poder, a avaliação é de que a farra dos descontos do INSS já desgastou a gestão petista. Em 23 de abril, quando a Polícia Federal e CGU (Controladoria-Geral da União) cumpriram 211 mandados judiciais de busca e apreensão, ordens de sequestro de bens no valor de mais de R$ 1 bilhão para apurar o escândalo, Lula se viu pressionado a demitir Alessandro Stefanutto, que presidia o instituto.
Com o incômodo, o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi (PDT), assumiu responsabilidade pela indicação de Stefanutto e se segurou no cargo até 2 de maio, quando pediu demissão. O Ministério caiu nas mãos de Wolney Queiroz (PDT), que era o nº 2 da pasta sob a gestão Lupi e, conforme reportou o site Poder360, participou de reuniões com organizações investigadas pelo desvio de R$ 6,5 bilhões de aposentadorias.
As trocas de postos surtiram pouco efeito. O presidente ainda sustentava a expectativa de reverter a queda histórica de popularidade registrada nos meses anteriores e usar o primeiro semestre de 2025 para dar ênfase a programas estratégicos tocados por seus ministros. O escândalo, por sua vez, voltou a associar uma administração petista à corrupção e tirou do Palácio do Planalto o “controle da narrativa”.

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A oposição surfou na onda. Em 12 de maio, a deputada Coronel Fernanda (PL-MT) e a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) protocolaram o pedido de abertura da CPMI do INSS. O requerimento tem assinaturas de 223 deputados e 36 senadores e mira nas irregularidades relatadas desde o início de 2023 — os desvios, segundo os policiais, começaram em 2019.
Nas redes sociais, deputados com grande alcance se mobilizaram para grudar o escândalo em Lula. Nikolas Ferreira (PL-MG) reproduziu a estética de seus vídeos mais populares: “Esse é o maior escândalo da história do Brasil. E é claro, vão espalhar a narrativa de que tudo começou no governo anterior. E já percebeu que no governo passado, tudo era culpa só do presidente? E nesse governo, nada é culpa do presidente?”, questionou. A gravação somava 137 milhões de visualizações até esta terça-feira, 30.
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Em entrevistas e publicações digitais, Jair Bolsonaro (PL) também explorou os desvios. “Seguir o rastro do dinheiro revela que os recursos desviados dos idosos foram direcionados a associações de viés sindical. E quem os sindicatos costumam apoiar? A esquerda ou a direita? A resposta está em quem se beneficiou e no histórico do problema”, escreveu o ex-presidente, em referência a José Ferreira da Silva, o “Frei Chico”, que é irmão de Lula e vice-presidente de uma das entidades visadas na operação policial.
Conforme noticiado pelo jornal O Globo as fraudes no INSS têm sido motivo de preocupação desde pelo menos 2010. O gráfico elaborado pela CGU a seguir ilustra a evolução dos descontos a partir de 2016.
Nosso governo foi o único a adotar medidas concretas para combater essas… pic.twitter.com/WEVD1FZbVM
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) May 18, 2025
Contra-ataque
No outro flanco, mesmo com a percepção de “perda da narrativa”, fato é que Lula e o principal escalão do governo deixaram o Brasil pouco após o escândalo estourar. Motivado desde o início do mandato pelo objetivo de “recuperar a imagem internacional” do país, o petista manteve as viagens à Rússia e à China no período — levando com ele uma comitiva de mais de 120 pessoas.

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Em solo brasileiro, parlamentares de postura mais engajada investiram na linha de que os desvios de aposentadorias foram gerados no governo Bolsonaro e descobertos graças à autonomia de investigação promovida por Lula.
“Só com Lula no governo, a operação andou e os culpados começaram a cair. Essa é a roubalheira que eles querem esconder”, escreveu Lindbergh Farias (PT-RJ). André Janones (Avante-MG) e a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT) foram outros a se manifestar nas redes sociais.
Em 2020, um servidor do INSS denunciou o esquema dos descontos indevidos. Foi ameaçado de morte. A Polícia Federal arquivou o caso. Só com Lula no governo, a operação andou e os culpados começaram a cair. Essa é a roubalheira que eles querem esconder. Confira o vídeo! pic.twitter.com/3aHHVZZODS
— Lindbergh Farias (@lindberghfarias) May 15, 2025
A estratégia já era uma alternativa aos esforços iniciais para desestimular a CPMI, rapidamente abortada pela adesão de congressistas de PSB e do próprio PT à ideia da investigação. Conforme reportou a CNN Brasil, lideranças do governo no Legislativo consideram a abertura da comissão “irreversível”.
Ainda que Davi Alcolumbre seja próximo do Planalto, conforme demonstram suas indicações à Esplanada dos Ministérios e cargos em autarquias federais, a amplitude da mobilização parlamentar reduz a expectativa de que o presidente do Senado “compre a briga” e barre a investigação.
Ex-líder da bancada do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES) reforçou a posição nesse sentido e disse que o Parlamento “não pode se omitir” diante de “milhões milhões de brasileiros que confiaram no Estado. Entre eles estão nossos pais, nossos avós, pessoas próximas, que merecem respeito, proteção e uma aposentadoria digna”.
Em uma leitura endossada pelas pesquisas, a fala expressa que a farra do INSS é um escândalo especialmente danoso do ponto de vista eleitoral — e, portanto, de associação tóxica para qualquer representante que busque uma vitória nas urnas em 2026. Conforme reportou o PlatôBR, a saída para o governo foi abraçar a CPMI e, assim, demonstrar endosso à descoberta e punição pelas fraudes. A contrapartida pedida, no entanto, é que as irregularidades ocorridas nos mandatos de Michel Temer (MDB) e Bolsonaro entrem no escopo da investigação.