29/03/2018 - 18:00
Woody Allen inicia Annie Hall (Noivo Neurótico, Noiva Nervosa), com uma anedota:
Dois velhinhos estão almoçando num asilo.
Um olha para o outro e diz:
– Nossa, a comida desse asilo é tão ruim, não?
O outro responde:
– É…e vem tão pouco.
Ao longo dos anos tenho lembrado constantemente dessa piada.
Concordo que não é de fazer rolar de rir.
Alias, em minha experiência notei que poucas pessoas são capazes de entendê-la.
A maioria esmagadora fica olhando com uma expressão ansiosa, esperando o “punch line”.
A graça.
Não tem.
Não é piada para rir. É para pensar.
Lembrei dela mais uma vez assistindo à entrevista do juiz Sergio Moro da TV Cultura e, principalmente, assistindo às reações dos telespectadores — ao mesmo tempo que o programa ia ao ar — no Twitter e no Facebook.
Não tenho dados para afirmar categoricamente, mas suspeito que a entrevista deve ter sido a maior audiência da TV Cultura em toda sua história.
Mais do que, sei lá, todos os episódios do Castelo Rá-Tim-Bum.
Dizem até que foi topo do trending mundial do Twitter.
Não vou nem questionar o mérito.
Sou velho. Antiquado.
Na minha cabeça senil, a Justiça deveria estar menos exposta ao escrutínio público.
Se espera, ou se esperava, um comportamento mais discreto daqueles que trabalham em definir o que é legal e moral.
Não quero, de forma alguma, minimizar o trabalho do juiz Moro.
Pelo contrário.
Sou fã incondicional dele e da Lava-Jato.
Estou seguro que a operação vai ficar registrada nos livros de história, vai mudar a nossa percepção de Justiça e uma geração inteira de brasileiros vai crescer educada a entender que a corrupção é inaceitável.
Basta pensar que se a Lei de Gerson virou o que virou por causa de um comercial de cigarro de 30 segundos, imagine as consequências da Lava-Jato ao longo das décadas que estão por vir.
Isso posto, que a gente se contenta com pouco, ah isso se contenta.
A comida no Brasil é muito ruim.
E vem pouco.
O fato de que, num ano de eleição para presidente da República, um juiz de primeira instância receba a idolatria da população e entre para a cultura acumulando dois filmes e uma série de televisão, entrevistas de quase duas horas, indica que não temos mais para onde apontar a procura de esperança.
Estamos deslumbrados com sua eficiência, profissionalismo, competência.
O tecido moral está tão, mas tão esgarçado, que fazer a obrigação bem feita e com paixão virou mérito.
Corta para a última sessão do STF, adiada para dia 4 de abril porque o ministro Marco Aurélio Mello precisava viajar.
Viajar.
Num País onde um ex-presidente está condenado a 12 anos e um mês de prisão, até agora por 4 juízes, mas continua não apenas solto como fazendo comícios ameaçando a própria Justiça quando voltar ao poder.
Voltar ao poder porque, como se não bastasse, lidera as pesquisas.
Mas o Ministro precisava viajar.
A bem da verdade não foi só por sua causa que a sessão foi adiada, mas essa viagem é emblemática porque é um ótimo exemplo de como a comida vem pouca por aqui, percebe?
Como deixamos o País virar esse asilo e porque continuamos comendo o que nos servem, me escapa.
Woody Allen termina Annie Hall com outra anedota, tão sem graça quanto, mas que também faz a gente pensar:
O diretor do hospício diz para um maluco:
– Acho que você já está curado, agora que já sabe que essa vassoura não é uma galinha, não é verdade?
– Sim doutor! É claro que é uma vassoura!
– Então porque você ainda anda com ela para lá e para cá?
– Porque eu preciso dos ovos.
Tem uma mensagem aí.
Tem de procurar.
Mas tem uma mensagem aí.