Woody Allen inicia Annie Hall (Noivo Neurótico, Noiva Nervosa), com uma anedota:

Dois velhinhos estão almoçando num asilo.

Um olha para o outro e diz:

– Nossa, a comida desse asilo é tão ruim, não?

O outro responde:

– É…e vem tão pouco.

Ao longo dos anos tenho lembrado constantemente dessa piada.

Concordo que não é de fazer rolar de rir.

Alias, em minha experiência notei que poucas pessoas são capazes de entendê-la.

A maioria esmagadora fica olhando com uma expressão ansiosa, esperando o “punch line”.

A graça.

Não tem.

Não é piada para rir. É para pensar.

Lembrei dela mais uma vez assistindo à entrevista do juiz Sergio Moro da TV Cultura e, principalmente, assistindo às reações dos telespectadores — ao mesmo tempo que o programa ia ao ar — no Twitter e no Facebook.

Não tenho dados para afirmar categoricamente, mas suspeito que a entrevista deve ter sido a maior audiência da TV Cultura em toda sua história.

Mais do que, sei lá, todos os episódios do Castelo Rá-Tim-Bum.

Dizem até que foi topo do trending mundial do Twitter.

Não vou nem questionar o mérito.

Sou velho. Antiquado.

Na minha cabeça senil, a Justiça deveria estar menos exposta ao escrutínio público.

Se espera, ou se esperava, um comportamento mais discreto daqueles que trabalham em definir o que é legal e moral.

Não quero, de forma alguma, minimizar o trabalho do juiz Moro.

Pelo contrário.

Sou fã incondicional dele e da Lava-Jato.

Estou seguro que a operação vai ficar registrada nos livros de história, vai mudar a nossa percepção de Justiça e uma geração inteira de brasileiros vai crescer educada a entender que a corrupção é inaceitável.

Basta pensar que se a Lei de Gerson virou o que virou por causa de um comercial de cigarro de 30 segundos, imagine as consequências da Lava-Jato ao longo das décadas que estão por vir.

Isso posto, que a gente se contenta com pouco, ah isso se contenta.

A comida no Brasil é muito ruim.

E vem pouco.

O fato de que, num ano de eleição para presidente da República, um juiz de primeira instância receba a idolatria da população e entre para a cultura acumulando dois filmes e uma série de televisão, entrevistas de quase duas horas, indica que não temos mais para onde apontar a procura de esperança.

Estamos deslumbrados com sua eficiência, profissionalismo, competência.

O tecido moral está tão, mas tão esgarçado, que fazer a obrigação bem feita e com paixão virou mérito.

Corta para a última sessão do STF, adiada para dia 4 de abril porque o ministro Marco Aurélio Mello precisava viajar.
Viajar.

Num País onde um ex-presidente está condenado a 12 anos e um mês de prisão, até agora por 4 juízes, mas continua não apenas solto como fazendo comícios ameaçando a própria Justiça quando voltar ao poder.

Voltar ao poder porque, como se não bastasse, lidera as pesquisas.

Mas o Ministro precisava viajar.

A bem da verdade não foi só por sua causa que a sessão foi adiada, mas essa viagem é emblemática porque é um ótimo exemplo de como a comida vem pouca por aqui, percebe?

Como deixamos o País virar esse asilo e porque continuamos comendo o que nos servem, me escapa.

Woody Allen termina Annie Hall com outra anedota, tão sem graça quanto, mas que também faz a gente pensar:

O diretor do hospício diz para um maluco:

– Acho que você já está curado, agora que já sabe que essa vassoura não é uma galinha, não é verdade?

– Sim doutor! É claro que é uma vassoura!

– Então porque você ainda anda com ela para lá e para cá?

– Porque eu preciso dos ovos.

Tem uma mensagem aí.

Tem de procurar.

Mas tem uma mensagem aí.