ÓLEOS VEGETAIS Preços subiram devido à falta do produto elaborado a partir da semente do girassol, antes exportado
pela Ucrânia (Crédito:DANIEL TEIXEIRA/AE)

O cenário desse semestre está muito pior do que esperavam os analistas do mercado. Depois de dois anos, quando finalmente a pandemia parecia caminhar para o fim, a China enfrenta agora a fase mais dura da doença desde que a Covid-19 surgiu em Wuhan, em 2020. Xangai, a maior cidade chinesa e capital global de negócios, decretou lockdown há aproximadamente 15 dias. Enquanto isso, a guerra no leste europeu, entre Ucrânia e Rússia, já se aproxima de dois meses de duração, causando abalos na produção, exportação e logística do mercado global. Eles são grandes exportadores de trigo, milho, cevada e óleo de girassol. A desorganização da cadeia global de negócios foi inevitável e levou a uma inflação média para os principais países do mundo de 12,6% só em março, de acordo com o índice de preço da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação. Trata-se do maior aumento desde o início dos registros em 1990. No balanço de um ano, segundo a ONU, a comida aumentou 34%.

12,6% É a inflação global dos produtos alimentícios de março (Crédito:Divulgação)

O vilão dessa alta é o óleo vegetal (23,2%). Em específico, o extraído a partir da semente do girassol, cujo maior exportador do mundo é a Ucrânia. A interrupção das vendas e o aumento da demanda internacional levaram à alta dos demais óleos feitos à base de plantas. Subiu também o preço do cereal (17,1%), do açúcar (6,7%), da carne (4,8%) e dos laticínios (2,6%). “O preço dos alimentos sofreram ainda o impacto da alta do petróleo, outra commodity que disparou com a guerra”, diz Renan Pieri, professor de Economia da Fundação Getulio Vargas. “E como o cenário é de instabilidade e não se vislumbra nenhum acordo de paz, não há perspectivas de baixa.” A guerra comprometeu também a logística internacional, que ainda não se recuperou dos dois anos de pandemia. “O espaço aéreo sobre a região de conflito está fechado. E os navios evitam o Mar Negro, que faz limite com a Ucrânia e a Rússia”, diz Pieri.
Há previsão de a economia global entrar em recessão até o fim deste ano, de acordo com a Peterson Institute for International Economics (PIIE), um destacado centro de pesquisa americano. Os especialistas alertam para o fato de que vários setores sofreram desabastecimento devido à crise da saúde na China. Entre eles, vale ressaltar, a indústria automotiva brasileira, que já não estava conseguindo atender a demanda dos consumidores devido à falta de peças chinesas, em especial semicondutores, desde o ano passado.

Menor crescimento

“O ano será muito pior do que projetamos, mas não acredito na recessão global e, sim, em um menor crescimento”, diz Roberto Dumas, professor de Economia do Insper. Ele explica que a China vai crescer menos do que a meta de 6% e registrará alta em torno de 2,5%. “A estratégia do presidente Xi Jinping será recorrer aos bancos, que devem subsidiar obras de infraestrutura para evitar o desemprego e a consequente tensão social, que em 1989 levou ao Massacre da Paz Celestial.”

Na Europa e no EUA, as taxas de juros já estão subindo. “Elevar juros é a dinâmica dos governos para combater a inflação”, diz Dumas. Nos EUA o índice de preços ao consumidor subiu 1,2% em março em relação ao mês anterior. O índice anual chegou a 8,5%, maior nível desde 1981. Ao antever essa escalada histórica, em março o Federal Reserve (banco central americano) havia aumentado em 0,25 ponto percentual os juros, antecipando uma tendência de alta que não era esperada tão cedo.

Na época, a autoridade monetária anunciou que faria aumentos contínuos para combater a inflação gerada pela guerra na Ucrânia. No Brasil, o crescimento do PIB este ano deve ficar abaixo de 0,5%, segundo os especialistas. A inflação de março chegou a 1,62% e o índice acumulado, em 11,30%. Com isso, o mercado já espera que até o final do ano a taxa de juros (Selic) alcance os 13% – e não 12%, como previsto anteriormente. Pesa também a instabilidade de um ano eleitoral conturbado, que deve contribuir para o aumento da dívida pública, além do alto desemprego. Aqui, a dúvida é sobre o risco de recessão. “Não estamos crescendo o suficiente para recuperar de maneira consistente a economia e gerar empregos”, analisa Cleveland Prates, professor de Economia da FGV. “O Brasil está andando de lado.”