À beira dos 70 anos, Walter (interpretado por Elias Andreato) virou o assunto da vez no condomínio onde trabalha há duas décadas. O zelador cuida da faxina, resolve um ou outro problema dos moradores, mas, de vez em quando, é flagrado cochilando e não repete a produtividade do passado. Uma assembleia é convocada para decidir o futuro do funcionário e, com base neste argumento, os dramaturgos argentinos Juan José Campanella e Emanuel Diez escreveram uma comédia sobre o etarismo para promover uma crítica social com bom humor e acidez.
Sob a direção de Jorge Farjalla, O Que Faremos com Walter? está em cartaz no Teatro Opus Frei Caneca depois de sucesso nos palcos de Buenos Aires. Campanella é o cineasta de joias do cinema argentino, como O Filho da Noiva (2001) e Os Segredos dos Seus Olhos (2009), e para a montagem brasileira foi convocado um elenco que traz, além de Andreato, Grace Gianoukas, Marcello Airoldi, Flávio Galvão, Norma Blum, Marianna Armellini e Fernando Vitor.
ESPELHO
Farjalla ressalta o poder da comédia como retrato de uma sociedade em frangalhos, em que todo mundo vê o outro, mas ninguém se enxerga com profundidade. “O etarismo é só o começo da discussão sobre a lei do mais forte que quer tirar o mais fraco da frente”, adverte. O encenador, que vem dos sucessos de O Mistério de Irma Vap e Brilho Eterno, garante que o texto carrega todos os ingredientes para garantir as maiores gargalhadas.
Aqueles, porém, que quiserem mergulhar na crueldade da narrativa terão um prato cheio: Farjalla carregou nas simbologias. “Recorri ao teatro do absurdo, assim como inspirações de Pedro Almodóvar e do livro infantil Flicts, de Ziraldo, que mostra uma cor que não se espelha em outras cores fortes e vivas”, explica.
Um bege sem graça identifica o uniforme de Walter. Na primeira cena, Andreato aparece com um rodo faxinando o saguão e cantando Sangue Latino, sucesso dos Secos e Molhados. A letra trata do sofrimento e da permanente luta do povo latino-americano e, segundo o diretor e o ator, se adapta à inquisição liderada contra Walter.
Cada um dos personagens deixou para traz a sensibilidade e a empatia com o próximo. A jornalista Beth (vivida por Grace), por exemplo, é a líder do movimento contra o zelador, enquanto Heitor (papel de Airoldi), dono de uma farmácia falida, se acha melhor que os outros e Noemi (personagem de Norma) é racista e, mesmo cadeirante, não admite as fraquezas da idade. Ramalho (representado por Galvão), como administrador do condomínio, vem amenizar os embates. “Só que ele é a caricatura de um líder absolutista, um Hitler à avessas, e se sente o poderoso”, define Farjalla.
Mesmo em meio aos debates e avanços em torno das minorias, Andreato, de 68 anos, destaca que o idoso ainda é o último a ser ouvido. “Todo mundo conquistou um lugar de fala, menos o velho, e daqui a pouco podem parar de me chamar para trabalhar, porque vão considerar que não dou conta”, afirma o artista.
PACIÊNCIA
Andreato já dirigiu intérpretes acima dos 70, como Paulo Autran, Juca de Oliveira e Karin Rodrigues, e reconhece que é exigida uma atenção especial, mas basta ter paciência para extrair resultados que só a experiência oferece. “Ninguém convoca um idoso para o projeto porque acredita que vai ter incômodo.”
Farjalla parece encantado pela disponibilidade de Andreato – principalmente no segundo ato, que promete surpreender o público -, assim como elogia as performances de Galvão, de 75 anos, e Norma, de 83. “A idade deles é o que menos conta, porque todos têm energia, vontade de desenvolver as cenas”, afirma. “Por isso, o Walter é quem se salva entre os personagens, ele é o único que acredita em mudanças e o público vai querer pegá-lo no colo.”
O Que Faremos com Walter?
Teatro Opus Frei Caneca
Shopping Frei Caneca. Rua Frei Caneca, 569. 6ª e sáb., 20h. Dom., 18h. R$ 35 / R$ 100. Até 23/4
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.