O julgamento de dois supostos membros dos serviços de inteligência da Síria, o primeiro no mundo por tortura atribuída ao regime de Bashar Al-Assad, começou nesta quinta-feira (23) na Alemanha.

O principal suspeito, Anwar Raslan, 57 anos, se apresenta como um ex-coronel da Segurança de Estado e é acusado de crimes contra a Humanidade.

A Justiça atribui a ele a morte de 58 pessoas, a tortura de pelo menos 4.000 outras, um estupro e um ataque sexual agravado cometido entre 29 de abril de 2011 e 7 de setembro de 2012 no centro de detenção Al Khatib em Damasco, pelo qual ele era responsável.

O outro acusado é Eyad Al Gharib, 43 anos, que compareceu na audiência com o rosto coberto por uma máscara.

Ele é acusado de cumplicidade em crimes contra a Humanidade por ter participado da prisão de manifestantes que foram levados para essa prisão, entre 1 de setembro e 31 de outubro de 2011.

Os dois homens, detidos provisoriamente desde 12 de fevereiro de 2019, fugiram de seu país e foram para a Alemanha, onde pediram asilo, como milhares de sírios fizeram desde 2011, quando a guerra no país começou.

Anwar Raslan afirma ter desertado no final de 2012 e, de acordo com vários meios de comunicação, se juntou à oposição no exílio antes de chegar à Alemanha em 26 de julho de 2014.

O julgamento, que acontece sob rigorosas medidas de segurança, irá até pelo menos meados de agosto no Tribunal Superior de Koblenz.

“É um passo importante, o início de um exame dos crimes [do regime sírio] perante uma alta corte alemã”, disse à AFP Wolfgang Kaleck, secretário-geral da ONG ECGR.

Esta organização apoia 16 vítimas sobreviventes e algumas das quais são partes civis no julgamento.

Para julgar os sírios, a Alemanha aplica o princípio jurídico da jurisdição universal, que permite que um Estado julgue autores de crimes independentemente de sua nacionalidade e de onde os crimes foram cometidos.

Atualmente, é a única maneira de julgar crimes contra a Humanidade cometidos na Síria, porque, segundo as ONGs, o veto da Rússia e da China torna impossível recorrer ao Tribunal Penal Internacional (TPI).

Este julgamento “deve servir como um aviso para aqueles que cometem abusos na Síria. Ninguém está acima da Justiça”, disse a Human Rights Watch (HRW).

A Anistia Internacional considera, por sua vez, “uma etapa importante na luta contra a impunidade nas violações dos direitos humanos cometidas na Síria”.

Os investigadores se baseiam nos testemunhos das vítimas que sobreviveram às condições “desumanas e degradantes” de detenção, segundo a Justiça, e que conseguiram chegar à Europa.

Durante o julgamento, é esperado o comparecimento de vítimas e testemunhas dos eventos.

Também serão mostradas imagens das dezenas de milhares de fotos feitas por um ex-fotógrafo da polícia militar, que deixou o país sob o pseudônimo de “César”, e que mostram corpos torturados.

Apesar do fato de o governo sírio negar tortura, o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH) garante que pelo menos 60.000 pessoas morreram sob tortura ou devido às duras condições de detenção nas prisões do regime.