O presidente eleito Jair Bolsonaro não deu importância para a coincidência. Mas, até dezembro, o local reservado para o trabalho da sua equipe é o mesmo destinado ao grupo que construiu uma narrativa que em seus discursos ele sempre rechaça. Entre os anos de 2012 e 2014, as salas no primeiro andar do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) onde atuará o Governo de Transição são as mesmas que foram ocupadas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV). Foi ali que pesquisadores se debruçaram sobre os atos da ditadura militar e trataram, entre outras coisas, da busca de identificação de desaparecidos. Na época, Bolsonaro colocou um cartaz em seu gabinete de deputado federal protestando: “Quem procura osso é cachorro”.

Foi em uma das salas agora ocupada pela equipe coordenada pelo futuro ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni que o general Carlos Alberto Brilhante Ustra prestou seu depoimento, em maio de 2013, no qual refutou as acusações de que teria torturado, de forma deliberada, militantes de esquerda durante os anos 70. Na verdade, ao destinar as mesmas salas, o governo Temer não atinou para a saia-justa. O espaço é o mesmo, no entanto, que foi reservado ao ex-presidente Lula em 2002, na transição para o governo Fernando Henrique Cardoso. Depois disso, não houve mais essa necessidade: Lula foi reeleito, elegeu Dilma, que se reelegeu.

Primeiras impressões

A transição oficialmente começou na segunda-feira 5, mas as primeiras reuniões para a passagem de bastão dos governo do MDB ao governo do PSL foram iniciados no final da semana passada, quando Onyx Lorenzoni encontrou-se com o atual ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. ISTOÉ apurou que as primeiras impressões dos integrantes do atual governo na transição não foram das melhores. Onyx e integrantes do governo Bolsonaro demonstraram, no primeiro momento, um certo desconhecimento do funcionamento da máquina pública e ficaram surpresos com a megaestrutura governamental que eles terão que tocar a partir do dia 1º de janeiro do ano que vem.

No primeiro dia, o comitê de transição trabalhou especificamente para equacionar questões burocráticas, como nomeações de quem pode ou não pode integrar o comitê. Foram destacadas 50 pessoas para trabalhar no processo. Nem todas as funções serão remuneradas, já que, em alguns casos, existem auxiliares que estão trabalhando de forma voluntária nessa fase do governo. Até quinta-feira 8, 27 pessoas já haviam sido oficialmente nomeadas para o comitê de transição. Destas, 25 exercendo funções remuneradas. Além disso, nas primeiras horas foi necessário montar uma estrutura mínima de trabalho. Arrumação de salas, organização de cadeiras e coisas afins. Nem mesmo almoço havia. Os integrantes da transição foram obrigados a se virar com biscoito de água e sal, café e água.

No primeiro dia, nem mesmo almoço havia. Por isso, os integrantes do futuro governo Bolsonaro tiveram que se virar com biscoito de água e sal

Para a organização do que será o novo governo, Bolsonaro estabeleceu dez grupos técnicos. Alguns desses grupos temáticos estão sendo coordenados por indicados a ministros de Bolsonaro. O astronauta Marcos Pontes, por exemplo, é o responsável pelo grupo relacionado à Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação. A área de Infraestrutura está sendo coordenada pelo general Oswaldo Ferreira e a parte da Defesa pelo general Augusto Heleno. Economia está, obviamente, sob responsabilidade do futuro ministro Paulo Guedes. O juiz Sergio Moro, futuro ministro da Justiça, deve comandar o grupo de Justiça e Segurança, mas ele precisaria pedir exoneração da magistratura para, oficialmente, passar a trabalhar em prol do governo Bolsonaro.

A rotina de trabalho do comitê de transição tem começado, diariamente, às 8h e seguido, quase que de forma ininterrupta, até às 20h. Além de Onyx Lorenzoni, Marcos Pontes e Augusto Heleno são os nomes mais proeminentes. Na quinta-feira 7, por exemplo, Paulo Guedes focou suas discussões em dois assuntos: privatizações e ajuste fiscal. Nestes primeiros dias, alguns apoiadores também já deram suas contribuições ao grupo de transição por meio de visitas e sugestões, como o senador Magno Malta (PR-ES) e o governador eleito paulista João Doria (PSDB-SP). O próprio presidente eleito tem acompanhado de perto. E, assim, com ajustes e aos poucos, a transição bolsonarista tenta escrever a sua história. No mesmo local em que outra comissão, há alguns anos, escreveu uma história que Bolsonaro renega.