Lula /Condenado

A sentença do TRF4, que praticamente anulou as chances do ex-presidente Lula de disputar as eleições de outubro, mexeu definitivamente com o tabuleiro das eleições presidenciais. Ao mesmo tempo em que injeta ânimo nos adversários do líder petista, que liderava as pesquisas, obriga todos os pré-candidatos a repensarem a estratégia de campanha que vinham ensaiando até agora. A primeira iniciativa de todos, principalmente dos partidos aliados de Lula, é se descolar da imagem do PT e evitar ser contaminado pelo destino inglório do ex-presidente. Com Lula fora do páreo, o cenário mudou. PDT e PCdoB vão trilhar seus próprios caminhos. Será aberta uma vaga no segundo turno e quem tiver fôlego e garrafas para vender chegará lá. Esse é o desafio que se apresenta para Jair Bolsonaro, Marina Silva, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Manuela D’Ávila e os demais concorrentes à sucessão de Temer.

O pré-candidato Geraldo Alckmin conta com a máquina do PSDB para crescer na disputa (Crédito:Helvio Romero)

Há quem aposte, desde já, numa mudança de tom radical de Jair Bolsonaro, recém filiado ao Partido Social Liberal (PSL). O ex-capitão do exército vinha se apresentando como o principal contraponto ao lulopetismo. Após o confirmação do 3 a 0, ele postou um vídeo na internet comemorando o resultado. Para ele, a condenação praticamente elimina Lula do pleito. “O que queremos é o PT fora de combate”, afirmou. Sem uma eventual candidatura de Lula, o discurso dele, porém, ficará esvaziado, pois sua pré-candidatura angariou adeptos que desejam ver o petista fora da política ou até mesmo preso. Bolsonaro terá de calibrar seu discurso e apontá-lo para outros adversários, que agora vão fazer de tudo para se aproximar do atual segundo colocado nas pesquisas, com 17 pontos. Bater no PT não renderá tantos votos quanto antes.

Jair Bolsonaro terá de calibrar a retórica, se quiser manter desempenho

Outra candidata que passará por ampla reforma na fachada é Marina Silva. Ela é favorecida por já ter participado de duas disputas, em 2010, pelo PV, e 2014 já pela Rede Sustentabilidade, quando ficou em terceiro lugar. Mas a linha adotada por Marina é de extrema cautela e de se manter fora de polêmicas. Foi assim que se comportou em meio a temas sensíveis, como a reforma trabalhista e até mesmo com assuntos que dizem respeito ao meio ambiente, sua área de atuação. Mesmo em meio à dor das famílias no desastre de Mariana, em Minas, onde centenas de casas foram invadidas pela lama de uma barragem da Samarco que se rompeu, Marina manteve-se em inexplicável silêncio. O que gerou críticas até em alas no seu próprio partido. Se quiser entrar no páreo para valer, vai ter se mostrar mais aguerrida. Se continuar em cima do muro, por excesso de cautela, corre o risco de ficar na largada.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ainda é uma aposta do centro político, se a economia decolar (Crédito:Fabio Rodrigues Pozzebom)

Na visão de especialistas, o principal herdeiro dos votos de Lula pode ser seu ex-ministro da Integração Nacional Ciro Gomes. Depois de ter feito declarações de apoio à Justiça que desagradaram algumas alas do PT, Ciro recuou e voltou a se colocar ao lado do antigo chefe. Em nota, após o julgamento, afirmou que viu com tristeza à condenação de Lula. Na mesma toada, dirigentes do PT e o ex-presidente Lula têm evitado atritos com Ciro, que cultiva pavio curto, mas de bobo não tem nada. Ele sabe que, neste novo cenário, pode atrair votos de simpatizantes do PT. Com a tática de se manter solidário mas à distância de Lula, ele pode capitalizar em cima da decepção dos que iriam votar no petista. Apesar de tudo, o PT ainda resiste em alguns bolsões do Nordeste e é nesse pirão que Ciro, na condição de ex-governador do Ceará, pode enfiar sua colher. Com isso, o pré-candidato do PDT ampliaria seu cacife eleitoral. Somaria o Nordeste às bases que o PDT, cria de Brizola, ainda mantém no Sul e no Sudeste. A candidatura de Ciro vai ser lançada em 8 de março, Dia Internacional da Mulher. A escolha não foi à toa. Em 2002, Ciro ficou numa saia justa com movimentos feministas após fazer uma declaração que soou como machista ao se referir à atriz Patrícia Pillar, sua companheira. O candidato à Presidência disse, na época, que a importância de Patrícia na campanha residia no fato de “dormir” com ele. Com a data do lançamento da campanha, ele pretende se livrar da pecha de machista.

O novo xadrez político

A condenação de Lula também deve levar água para o moinho de outros candidatos. Um deles é o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Empacado em 6% nas intenções de voto, Alckmin espera ocupar uma possível vaga no segundo turno, caso a Justiça desclassifique mesmo Lula, como tudo leva a crer. Terá a seu favor a forte estrutura do PSDB, que disputará o governo de vários estados, abrindo palanque para seu candidato à Presidência. Além disso, os tucanos têm tradição de chegada nas corridas para o Palácio do Planalto. À exceção de 1989, quando Lula rivalizou com Collor, o PSDB foi osso duro de roer para o PT. Ganhou duas vezes com Fernando Henrique Cardoso e perdeu três para Lula e Dilma Rousseff. Mas sempre deu muito trabalho. Alckmin quer manter essa tradição e marcar presença na disputa do segundo turno em novembro.

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Aparadas as arestas com o prefeito João Dória, que deve se lançar ao governo do Estado, Alckmin tem a missão de reunir uma forte aliança em torno de sua campanha. Por enquanto, já conseguiu apoio do PTB, garantido por Roberto Jefferson, e de parte do PSB e do presidente do PSD, Gilberto Kassab. Trabalha, agora, para que se transforme no candidato dos sonhos governistas. O próprio presidente Michel Temer, já declarou, em recente entrevista, que, para ele, Alckmin é o candidato mais afinado com as realizações de seu governo e que preenche requisitos de “segurança e serenidade”. Temer tem baixa aprovação da opinião pública, mas, ao mesmo tempo, comemora efusivamente a retomada da economia e a queda da inflação. Quer que um candidato leve adiante seu legado. De olho nisso, Alckmin, embora ainda patine nas pesquisas, se oferece como o nome capaz de cumprir esse papel.

Ao elogiar Alckmin, Temer jogou um de balde água fria nas pretensões de seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que pretendia (ou ainda pretende) surfar em cima dos bons resultados da economia. Apesar do importante trunfo que tem em suas mãos, Meirelles não consegue decolar nas pesquisas. Na última simulação do Datafolha, não foi além de 1%, ao lado de outros novatos como Guilherme Boulos, do MTST (nome acenado pelo PSOL) e Paulo Rabello de Castro (PSC), presidente do BNDES. Ficou abaixo de Joaquim Barbosa, que namora com o PSB, Álvaro Dias (Podemos) e Manuela D’Ávila (PCdoB). Para o ministro da Fazenda, a saída de Lula pouco vai alterar o cenário. O mesmo vale para Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara. Seu nome deve constar das próximas pesquisas, mas não é de acreditar que seja bafejado por um milagre nas intenções de voto. Ou que belisque alguma sobra do balaio de votos do PT.

Até Guilherme Boulos mantém uma distância regulamentar do PT: recusou-se a assinar manifesto de protestos do partido

Bem diferente é o caso da deputada gaúcha Manuela D’Ávila. Ela, sim, tem boas condições de receber votos do espólio de Lula. Como se sabe, o PCdoB tem bom transito no meio universitário, comandou a UNE por muito anos e conta com a simpatia dos jovens das correntes de esquerda mais combativas. Manuela, obviamente, também vai atrás do eleitorado feminino. Continua a se mostrar solidária a Lula. Antes do julgamento, chegou a reproduzir trecho de uma reportagem do New York Times contra as evidências contra Lula que embasaram sua condenação. Seu partido, porém, não acompanhou o manifesto de protestos do PT. Guilherme Boulos, que corre na mesma raia da comunista, foi a Porto Alegre, mas o PSOL também manteve-se a uma distância regulamentar.

Por mais que faça jogo de cena e lamente o destino de Lula e o encolhimento do PT, a ordem nos demais partidos de esquerda é se dissociar do ex-candidato condenado e conquistar os votos que iriam para o ex-presidente. Apontar os erros cometidos pelos petistas e fazer o possível para avançar nas pesquisas. Prevalece a regra sagrada das monarquias: Rei morto, viva o novo rei. No espectro político da esquerda, falta saber quem vai assumir o posto. Foi dada a largada.


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