Arthur Lira, o presidente da Câmara, manobra para votar ainda hoje a PEC da Vingança, maior investida contra a autonomia do Ministério Público desde que ele ganhou suas atuais características, com a Constituição de 1988.

Procuradores se mobilizaram hoje, durante todo o dia, para derrubar a votação. No fim da tarde, cinco entidades ligadas ao MP divulgaram uma nota pedindo a rejeição da PEC. Mas o tema continua na pauta da Câmara. Não será surpresa se a votação acontecer na calada da noite, como tem sido comum nas pautas que interessam a Arthur Lira, mas são contra o interesse geral.

A PEC da Vingança ganhou esse nome por ser uma retaliação contra a instituição  que, desde o início da Lava Jato, em 2014, vem tirando o sono de inúmeros políticos (Lira entre eles).

Se a medida for aprovada, o Brasil terá cumprido o mesmo percurso da Itália, no rastro da Operação Mãos Limpas. Assim como a Lava Jato, a Mãos Limpas atingiu políticos de renome. Depois veio a ressaca, e os parlamentares italianos aprovaram leis de autoproteção – e que restringiam os movimentos dos órgãos públicos de controle.

Os principais pontos da PEC da Vingança são dois. Primeiro, ela autoriza o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) a revisar ou mesmo anular atos de promotores e procuradores  que “interfiram na ordem pública, ordem política, organização interna e independência das instituições”.

A linguagem é vaga o bastante para permitir que ações do MP sejam interrompidas, mesmo quando bem embasadas, e que seus membros sejam punidos, mesmo quando agindo de boa fé.

É o contrário daquilo que os deputados fizeram ao revisar a Lei da Improbidade, para retirar do seu alcance administradores públicos que cometeram erros grosseiros e causaram prejuízos aos cofres públicos. Só serão punidos aqueles que agiram com dolo.

A segunda medida altera a composição do CNMP. O número de integrantes do órgão  indicados pelo Congresso sobe de 2 para 4, sendo um deles o corregedor-geral, aquele responsável por iniciar processos contra os procuradores. Enquanto isso o número de indicados pelo Ministério Público da União cai de 4 para 3.

O deputado petista Paulo Pimenta, relator da PEC, disse que o controle da sociedade (leia-se Congresso) sobre o MP precisa aumentar porque “qualquer instituição que tem dificuldade de punir os seu próprios erros se prejudica”.

Arthur Lira disse hoje que a PEC procura aumentar o controle da sociedade civil sobre o MP, “porque ele é um dos órgãos do Brasil que não funcionam com relação a punir seus membros”.

Como se vê, o discurso está bem ensaiadinho. E é cínico, mentiroso, risível nos dois casos.

Sim, como todas as instituições públicas brasileiras, o MP é dado ao corporativismo. Ainda assim, entre 2005, ano de sua criação, e 2019, o CNMP julgou 212 processos e aplicou 138 punições, sendo 22 de demissão e 12 de cassação de aposentadoria.

Enquanto isso, a Câmara recebeu 170 representações contra deputados desde 2002. Só oito perderam o mandato.

Se existe uma casa no Brasil que não pode falar sobre corporativismo e punições brandas é o Congresso. Por isso é enojante ver Lira e Paulo Pimenta argumentando como argumentaram.

Os deputados não querem aumentar o controle da “sociedade” sobre o MP. Querem ter ingerência sobre o órgão. E, sim, diminuir o controle sobre seus malfeitos e sobre a corrupção.