O presidente Lula reunirá na segunda-feira (8) a cúpula institucional do país em uma tentativa de mostrar unidade, um ano depois dos ataques de 8 de janeiro em Brasília, mas a ausência esperada de nomes da direita evidencia a polarização que segue vigente no país.

No primeiro aniversário da invasão das sedes dos Três Poderes – o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) – por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro inconformados com a eleição de Lula, o petista vai liderar um ato em Brasília para “lembrar que houve tentativa de golpe” de Estado.

A depredação dos edifícios “deixou cicatrizes profundas”, mas a “democracia saiu vitoriosa e fortalecida”, disse Luiz Inácio Lula da Silva.

Até agora, cerca de 30 participantes dos ataques de 8 de janeiro foram condenados a penas de até 17 anos de prisão, e Bolsonaro é investigado como possível instigador e autor intelectual desses atos.

A cerimônia reunirá os chefes do Legislativo, ministros do STF, governadores, comandantes militares, líderes da sociedade civil e embaixadores.

Para o cientista político André César, Lula tentará reproduzir a imagem de “união” nacional do dia seguinte à invasão, quando ele caminhou simbolicamente, junto de outras autoridades, em meio à destruição na Praça dos Três Poderes.

– Fissuras –

Mas essa união vai apresentar fissuras pela esperada ausência de figuras relevantes da direita, como o governador de São Paulo Tarcísio Freitas, ex-ministro de Bolsonaro.

Freitas e outros opositores veem o ato como político e não querem “reforçar a imagem de Lula como grande construtor” da “unificação do país”, aponta César, da consultoria Hold.

Os ataques de milhares de bolsonaristas pedindo intervenção militar uma semana depois da posse de Lula foram o clímax de um período de máxima tensão no país, dividido entre duas visões de sociedade completamente opostas.

No primeiro ano de Lula, no entanto, um clima de apaziguamento aparente se instalou no país, especialmente depois que Bolsonaro ficou de fora do tabuleiro por sua inabilitação política, ao ter desacreditado, sem provas, o sistema eleitoral.

A invasão deixou pelo menos um saldo “positivo: o fortalecimento das convicções democráticas”, segundo Geraldo Monteiro, professor de Ciência Política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

“Mas as posições polarizadas persistem na sociedade”, assinalou à AFP.

– ‘Já viu golpe que não tem arma?’ –

Enquanto a esquerda denuncia uma tentativa de golpe, aliados de Bolsonaro apoiam os participantes dos distúrbios.

“Você já viu golpe que não tem arma? Você já viu ato de terrorismo que não tem bomba?”, questiona em entrevista à AFP o influente pastor evangélico Silas Malafaia, ao considerar que a invasão não foi violenta.

“Pura perseguição política” contra “gente inocente”, acrescenta este amigo pessoal do ex-presidente.

A Justiça, porém, não dá sinais de que vai ceder.

“Não há limite para a investigação” contra os participantes dos ataques, garantiu o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, protagonista desses processos.

E os políticos com participação comprovada nesses atos “devem ser alijados da vida política, além da responsabilidade penal”, afirmou Moraes em entrevista ao jornal O Globo.

– ‘Grades frágeis’ –

Para os especialistas, o 8 de janeiro se tornou uma nova peça na polarização, como nas “guerras culturais” travadas entre os campos ideológicos sobre temas como o acesso às armas, descriminalização do aborto e direitos LGBTQIA+.

Para César, o fenômeno alcançou una “calcificação”, ao ultrapassar “o limite de política pura” e se tornar “uma questão da identidade”.

“É uma briga que não tem armistício, não tem trégua”, aponta Monteiro.

Nas redes sociais, alguns bolsonaristas estão fazendo convocações para uma paralisação do país em 8 de janeiro, defendendo que esta data seja considerada “O Dia do Patriota”.

Entretanto, as autoridades não esperam grandes manifestações.

Cerca de 2.000 policiais atuarão em Brasília, onde o trânsito será interrompido em torno dos locais de poder.

Um ano depois do caos vivido na capital federal, os edifícios invadidos foram reparados, com vidraças e portões reforçados.

Contudo, sem muros levantados, Brasília mantém seu ideal de “cidade transparente”, mas “com grades frágeis”, disse à AFP o urbanista Jorge Francisconi.

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