Para os japoneses foi um choque. Mas entrar em recessão técnica pode servir de alerta sobre a urgência de se encarar uma crise, agitar a acomodação de décadas e, a partir daí, partir em busca de mecanismos mais efetivos para a solução de problemas que têm raízes no envelhecimento populacional e na baixa taxa de natalidade (nascimentos em relação à população total). O governo do Japão vê aumentarem os gastos sociais, enquanto a mão de obra se encolhe, assim como o consumo da população. E, com o mercado estagnado, os números apresentados na semana passada atestaram a inevitável queda no PIB nos dois últimos trimestres de 2023 (-3,3% entre julho e setembro e -0,4% entre outubro e dezembro), derrubando previsões sobre crescimento de até 1,4%.

Assim, se o país já havia perdido a segunda posição na lista das maiores potências econômicas do mundo para a China em 2010 — que só fica atrás dos EUA —, agora seu terceiro posto foi tomado pela Alemanha, com PIB de US$ 4,6 trilhões sobre os US$ 4,21 trilhões do Japão.

Essa queda está diretamente ligada a duas faces de uma moeda — no país, sobe o número de idosos e cai o de bebês. O governo tenta aumentar a taxa de fecundidade (número de filhos por mulher em idade de reprodução), que bateu em 1,3 em 2023 (em Tóquio, chegou a 1,04) e é a mais baixa em seis anos de curva descendente.

Em junho passado, o primeiro-ministro Fumio Kishida já anunciava US$ 25 bilhões para promover a natalidade, com programas de incentivo que vão de mais tempo para cuidar de recém-nascidos a bolsas de estudo até a adolescência. Só não é possível, a qualquer governo, manter uma medida monetária como essa indefinidamente, porque gastos com idosos crescem em saúde, infraestrutura e aposentadoria.

Bárbara Dantas Mendes, professora de Relações Internacionais na PUC de Campinas, lembra ainda que o Japão não vê o crescimento de mão de obra — ou da força de trabalho mais jovem — e, portanto, de produção. “Os japoneses estão buscando isso, com políticas publicas, desde o primeiro-ministro Shinzo Abe [falecido em 2022], que veio com o plano Womenomics, para incentivar a inclusão das mulheres no mercado, quando muitas ainda estão em casa, cuidando da família — o trabalhando, mas sem ter filhos”, explica a professora.

Justamente o oposto da Alemanha, com a força feminina há tempos inserida em postos de trabalho, e com aumento de imigrantes, abrigados desde a guerra na Síria, agora somados a refugiados ucranianos.

Crise de décadas

O declínio japonês, no entanto, tem mais causas além de sua pirâmide etária invertida: vem de uma série de problemas, partindo do estouro da bolha imobiliária na década de 1990 e passando pela crise financeira de 2008, sem que o país tenha conseguido se recuperar plenamente.

Como diz Bárbara, a desaceleração atual também é reflexo da pandemia. O próprio governo credita boa parte da retração à queda de consumo — que pode ter sido de “apenas” -0,2% — mas é responsável por metade da atividade econômica do país, mais fechado ainda no lockdown.

“Uma curiosidade sobre os japoneses é que são muito meticulosos financeiramente”, assinala a professora. “Eles têm consciência econômica e não ‘gastam à toa’. E passaram a comprar ainda menos, guardando dinheiro, o que, para a economia, é ruim. O dinheiro não circula.”

Se o iene é estável e confiável para investidores, em relação ao mundo vem se desvalorizando porque não flutua. “É o avesso da Europa que, mesmo com crise climática, Brexit e refugiados, ainda tem o euro forte, assim como a China com o yuan e os EUA com o dólar”.

Com mais idosos e menos bebês, Japão cai no ranking das maiores economias; entenda
Credibilidade: o iene se mantém confiável para investidores, mas perde sua força internacionalmente (Crédito: Miho Ikeya)

O Japão tem ainda outra peculiaridade cultural: é mais fechado em relação aos estrangeiros. Agora está se propondo a mudar leis de imigração, com o objetivo de dinamizar a sociedade e a produção. “Mas precisa mesmo é observar com atenção e seriedade a necessidade da flexibilização cultural, percebendo que o momento histórico é outro, até para acelerar negócios”, destaca a professora.

“No Sudeste Asiático, vem fazendo isso com o Vietnã e a Tailândia. Mas ainda precisa se voltar mais para Índia, Austrália, Nova Zelândia, também próximos geograficamente, para um fluxo maior de trabalhadores, de capital.”

O Japão tem credibilidade, capacidade, recursos técnicos e humanos, mas está inserido em um planeta cada vez mais volátil e imediatista. Como pais, não mostra a mesma rapidez com que reconstrói lugares atingidos por desastres, por exemplo, segundo Bárbara, para quem o país teria de inovar em tecnologia, buscando aquele “algo a mais”, como define.

“E acelerar para ganhar velocidade e se reorganizar, aprendendo a aproveitar o timing do mundo. O Japão já teve protagonismo. Agora precisa de um novo gás para continuar pedalando.”