Alugar um apartamento de 50 m2 no centro de São Paulo custa uns 1.500 reais, algo impensável para pessoas como Rosângela Gomes de Melo, que com sua filha tem uma renda de 1.900 reais por mês. “Ocupar era minha minha única opção”, explica.

Artesã, 54 anos, Rosângela chegou há nove anos à ocupação Mauá, no centro da capital financeira do país. Sua filha mudou-se com ela pouco depois. Elas dividem uma pequena e organizada quitinete no terceiro andar.

Beliche, cozinha, pia, geladeira, estantes, mesa de TV: tudo distribuído contra as paredes que, sem pintar, revelam marcas de frisos recentes.

“Se tivesse que pagar um aluguel alto não poderia investir numa educação para minha filha”. Rosângela ressalta as praticidades logísticas de viver no centro e não na periferia desta megalópole de 12 milhões de habitantes.

São Paulo tem 206 ocupações com 46.000 famílias, um déficit de 358.000 residências e 830.000 domicílios precários, segundo a Prefeitura. O tema ganhou destaque após o 1º de maio, quando um prédio de 24 andares, no Largo do Paissandu, também no centro, pegou fogo e desabou, deixando mortos e desaparecidos.

A tragédia motivou a discussão sobre o papel dos movimentos de luta por moradia, depois que as autoridades destacaram indícios de que a coordenação do edifício destruído estava apenas lucrando com “aluguéis” mensais, sem investir na manutenção.

“Há ocupações e há ocupações”, esclarece Rosângela. Ela garante que, ao contrário daquela que ocupava o prédio que desabou, a do Mauá, organizada pelo Movimento de Moradia na Luta por Justiça (MMLJ), é “uma verdadeira luta por moradia”, assumida “de forma conjunta” pelas 237 famílias que pagam uma colaboração mensal de 200 reais para a manutenção.

Rosângela e sua filha, Beatriz – que se prepara para o exame de admissão na universidade, estuda música e faz estágio – acreditam que o preconceito ofusca o debate. “Nós não somos diferentes, é o povo que olha diferente para nós”, afirma a mãe.

O tema ganha protagonismo com a pré-candidatura do líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, apadrinhado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

– Ocupação icônica –

A poucas quadras, o MMLJ administra a ocupação mais icônica de São Paulo, “a maior da América Latina”, como a imprensa a chama.

Quase 500 famílias moram no edifício de dois blocos localizado no número 911 da avenida Prestes Maia, que homenageia um arquiteto e urbanista falecido.

O ‘Prestes Maia’, antiga sede de uma fábrica têxtil, ocupado desde 2006, foi objeto de uma batalha judicial que terminou em 2015, quando a Prefeitura, governada então por Fernando Haddad, do PT, comprou o prédio para reformá-lo e entregar as moradias aos seus ocupantes.

À espera de que a nova administração, de viés conservador, inicie o projeto, a vida no Prestes Maia transcorre em comunidade. Divididos nos blocos A (nove andares) e B (22 andares), seus moradores se ocupam em esquema de rodízio da limpeza semanal das áreas comuns.

Paredes em estado precário, janelas protegidas por tábuas e outros materiais, umidade nos andares inferiores, pouca iluminação e alguns vazamentos são visíveis. Alguns andares estão em melhor estado que outros. Há algumas câmeras de segurança, extintores em dia por toda parte e serviço de portaria.

Poucos apartamentos têm banheiro privado. Em geral, há um ou dois por andar, compartilhados para higiene e lavar a roupa.

As regras são rígidas: os hóspedes têm que ser notificados, depois das 22h é proibido fazer barulho, as brigas são interditadas, assim como a violência doméstica e os roubos. Quando um morador descumpre e o diálogo não funciona, são impostas sanções como proibir visitas ou uma mudança para andares mais altos, um castigo em um prédio sem elevadores.

“O coletivo é um conceito difícil”, diz Jeanette Andrade, coordenadora interna do edifício. Enquanto organiza doações de roupa e comida para os moradores mais pobres, ela atende solicitações e resolve gestões burocráticas, como comprovantes de residência.

Jeanette ficou sem casa depois de um divórcio e viu na luta por moradia literalmente uma tábua de salvação.

“O problema é o alto preço dos aluguéis aqui em São Paulo, isso é o que gera despejos e o que termina gerando as desocupações”, comenta.

Márcia Gonçalves, de 59 anos, também chegou ao movimento depois de se separar. “Não sabia o que era uma ocupação, mas eu também não tinha onde morar”, conta.

Ela não sabe quanto ganha mensalmente vendendo doces e bebidas na lojinha que montou em seu quitinete, mas está certa de que não é suficiente para custear um aluguel superior aos 105 reais que paga de colaboração mensal. “Isto aqui é pequeno, você vê que há detalhes, não temos luxo, mas temos condição de vida. Meu sonho é ganhar uma moradia aqui”, afirma.