Paraty está em festa. E com uma magnitude que superou todas as expectativas. Produção, profissionais de segurança e ambulantes foram surpreendidos pela multidão que decidiu acompanhar o primeiro dia da 13ª edição do Bourbon Festival Paraty, nesta sexta, dia 14.

Majoritariamente jovem, o público enfrentou o piso inóspito e úmido – os mais destemidos perambulavam de chinelo de dedo – para chegar às atrações do festival. Com muita sede de música e álcool, a plateia sorveu cada nota vinda do palco principal na praça da Matriz. Ao final, não era possível encontrar uma lata de cerveja num raio de 300 metros ao redor do epicentro da festa.

A primeira atração da noite no Palco da Matriz compartilhava o aspecto mais notável da plateia. A Orquestra Sinfônica de Paraty é formada por jovens e promissores músicos.

Depois da sinfônica, subiu uma das atrações mais esperadas de todo o festival: a cantora norte-americana Jane Monheit. Antes de dividir o palco com Ivan Lins, ela apresentou novidades e releituras de standards como “All of You” e “Honeysuckle Rose”, além de encarar “Whatever Lola Wants”, desafiador sucesso na voz metálica e empoderada de Della Reese.

Jane Monheit e Ivan Lins
Jane Monheit e Ivan Lins (Fotos: Roger Sassaki/Divulgação) (Crédito:Fotos Roger Sassaki/Divulgação)

Sem deixar a cena, Jane viu Ivan Lins entrar e tocar “Meu País”, o fecho ideal para um dia que começou com uma banda militar chinesa tocando uma versão bem honesta de “Novo Tempo”, para recepcionar Lula em visita ao líder chinês Xi Jinping. Procurando vaga uma hora aqui a outra ali, Jane fez vocalizes e arriscou partes em português enquanto Ivan despejou “Lembra de Mim”, “Lua Soberana” e “Começar de Novo”. Quando chegou a vez de “Madalena”, a plateia jovem cantou quase toda a letra com Ivan.

A banda Blackmantra veio para sacudir a noite com um bem entrosado naipe de metais que navegou pela melhor black music dançante dos anos 60/70, com forte sotaque de James Brown. Levantada a galera, BNegão entrou no palco para vasculhar o repertório do disco “Tim Maia Racional”. Começou suavemente, com sua versão de “Rational Culture” (aquela do We’re gonna rule the world, don’t you know, don’t you know).

Daí pra frente a coisa foi crescendo em velocidade e intensidade. Com a sequência formada por “Quer Queira, Quer não Queira”, “Guiné Bissau, Moçambique e Angola”, “No Caminho do Bem” e “Bom Senso”, BNegnao e Blackmantra proporcionaram um mergulho profundo na obra da fase mais doidona e afinada de Tim Maia.

À vontade, BNegão se permitiu visitar canções do próprio repertório, como “Funk Até o Caroço” e “O Processo”. Quando retomou o repertório de “Racional”, teve um achado que levantou de vez a plateia. Em vez de mandar ler o livro “Universo em Desencanto” da letra original, ele ordenou: “Leia Paulo Freire. Leia Milton Santos. Leia Darcy Ribeiro”. Nesse clima, BNegão chegou ao fim do show dominando um público saltitante, que se despediu do Palco da Matriz com um vigoroso coro de “Ei, Bolsonaro, vai tomar no c*”.