Sem saber se será palco de mais um GP do Brasil, o Autódromo de Interlagos celebra 80 anos nesta terça-feira cheio de incertezas, mas também de projetos. Carregada de história e viva na memória dos amantes do automobilismo, a pista completa oito décadas no ano em que se encerra o contrato com a Fórmula 1 para a realização da prova.

Mesmo a etapa deste ano ainda não foi confirmada dada a pandemia. Diante da concorrência do Rio, o icônico circuito paulistano, que já foi cenário para o talento e arrojo de alguns dos maiores pilotos do mundo, como Ayrton Senna, Alain Prost, Juan Manuel Fangio, Nelson Piquet, Michael Schumacher e Lewis Hamilton, vive um período de indefinição quanto à possibilidade de sediar a etapa nas próximas temporadas.

São Paulo e Rio abriram guerra para poder sediar o GP brasileiro de F-1 e garantem ter as melhores condições para receber a corrida, assim como não se esquivam de criticar possíveis defeitos do concorrente. A capital paulista negocia para renovar o vínculo por mais dez anos e tem como um dos trunfos para prolongar o acordo a estrutura já montada de Interlagos, que passou por reforma nos boxes em 2019 findando a última etapa de uma obra de R$ 160 milhões.

A prefeitura lançou edital de concessão do complexo – autódromo José Carlos Pace e também o kartódromo Ayrton Senna – à iniciativa privada, planejando arrecadar quase R$ 1 bilhão, mas teve de suspender a licitação no fim de abril por ordem do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM). A administração municipal entende que a concessão ajudaria a corrida a continuar na cidade.

O Estado relembra fatos e momentos marcantes da rica história do circuito. Em 80 anos, o Autódromo José Carlos Pace, conhecido no mundo todo por Autódromo de Interlagos, sediou 37 etapas oficiais da Fórmula 1, sendo 30 consecutivas, passou por reformas e mudanças no traçado, foi palco de vitórias épicas de Ayrton Senna e teve outros brasileiros e estrangeiros como protagonistas. Quis o destino que a pista também fosse o lugar de títulos memoráveis e despedidas inesquecíveis, como a de Michael Schumacher.

Neste ano, que pode ser o último do GP do Brasil em Interlagos, a etapa está prevista para ser disputada no dia 15 de novembro. No entanto, a corrida pode ter sua data alterada ou mesmo cancelada, uma vez que a FIA ainda não divulgou o calendário reformado deste ano, com mudanças provocadas pela pandemia do novo coronavírus.

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ORIGEM E INAUGURAÇÃO – O bairro de Interlagos foi idealizado pelo engenheiro britânico Louis Romero Sanson, que queria transformar a região em um polo turístico. O projeto foi pensado para atender as classes mais ricas da cidade, admiradoras das corridas de automóveis.

Por isso e pelo acidente envolvendo uma competidora francesa na primeira prova internacional que São Paulo realizou em suas ruas, em 1936, surgiu a necessidade da construção de um circuito. Criado por Sanson em parceria com o Automóvel Clube do Brasil, Interlagos teve seu traçado inspirado nas pistas de Indianápolis, nos Estados Unidos, Brooklands, na Inglaterra, e Monthony, na França. O nome foi escolhido pela localização entre as Represas Billings e Guarapiranga e também alude à pequena cidade de Interlaken, na Suíça.

Depois de a corrida inaugural ser adiada várias vezes por motivos diferentes, o autódromo de Interlagos revelou as suas curvas sinuosas ao público de mais de 15 mil pessoas em 12 de maio de 1940, com a disputa do Grande Prêmio de São Paulo. Os carros completaram 25 voltas, totalizando 200 km de percurso. A abertura da instalação se deu mesmo sem que o projeto original tivesse sido concluído. Dessa forma, em seus primeiros dias de vida, o local funcionou de maneira improvisada, sem arquibancadas, boxes, lanchonetes, banheiros, torre de cronometragem e de transmissão.

PRIMEIRO TRIUNFO DE UM BRASILEIRO – A primeira prova de Fórmula 1 disputada em Interlagos ocorreu em 1972, com vitória do argentino Carlos Reutemann. A etapa, porém, não contou pontos para o campeonato. A corrida inaugural oficial foi realizada no ano seguinte e vencida por Emerson Fittipaldi, que também triunfou no ano subsequente.

Em 1975, Interlagos se tornou o cenário para a primeira vez em que dois brasileiros subiram ao pódio, com José Carlos Pace no topo e Emerson Fittipaldi em segundo. Pace morreu em 1977 e, em 1985, o autódromo foi rebatizado com seu nome como forma de homenageá-lo.

VITÓRIAS ÉPICAS DE SENNA – Ayrton Senna venceu duas vezes em Interlagos e os dois triunfos foram memoráveis a ponto de persistirem no imaginário dos amantes do automobilismo. Em março de 1991, ano em que se consagraria tricampeão, o brasileiro ganhou de forma épica. Ficou sem terceira, quarta e quinta marchas de sua McLaren. Mesmo assim, levou o carro no braço até cruzar a linha de chegada. Teve um colapso muscular e chorou compulsivamente depois de receber a bandeirada final. “Foi Deus quem me deu a conquista”, disse, ao término da prova.

Em 1993, Senna, que largou em terceiro, aproveitou a pista molhada em decorrência de uma forte chuva e, com uma dose de sorte e muito talento, desbancou o favoritismo do francês Alain Prost para conquistar uma vitória excepcional. O dia 28 de março daquele ano ficou marcado pela comunhão entre o piloto e uma multidão de torcedores. Eles invadiram a pista para comemorar com seu ídolo, carregando-o em seus braços.

DESPEDIDAS DE SCHUMACHER DA F-1 – Interlagos é especial para Michael Schumacher também. O alemão, maior campeão da Fórmula 1, com sete títulos, e até hoje dono de uma série de recordes, foi o piloto que mais venceu no autódromo brasileiro, em Interlagos, com quatro vitórias – 1994, 1995, 2001 e 2002. Quis o acaso que a pista fosse palco de não uma, mas duas despedidas do lendário piloto da F-1.

Primeiro, ele deu adeus à categoria em 2006, na corrida em que valia o título da temporada. O troféu foi para Fernando Alonso e Schumacher cruzou a linha de chegada em quarto. O alemão voltou a correr em 2010 e seu adeus definitivo veio em 2012, quando tinha 43 anos. Na ocasião, foi discreto e terminou a prova em sétimo.

MUDANÇAS DE TRAÇADO E REFORMAS – Ao longo dos seus 80 anos de vida, o autódromo recebeu várias intervenções por diferentes motivos, incluindo alterações no traçado. Quando inaugurado, o circuito de terra batida contava com uma extensão total de 7.960 metros. Após algumas reformas no circuito, a mais importante delas concluída em 1990, a extensão da pista foi reduzida quase pela metade: para 4.325 metros, atendendo às exigências da Federação Internacional de Automobilismo (FIA) para que o GP do Brasil voltasse a Interlagos. Atualmente, a pista tem 4.309 metros. Entre as mudanças feitas no traçado, um dos poucos no mundo que tem o sentido anti-horário, destaque para o “S” do Senna, que na proposta do próprio piloto deveria ser feito de forma a tornar a pista mais veloz.

Contratada em 2013 com recursos federais com o investimento total de R$ 160 milhões, a obra de requalificação do autódromo foi iniciada em 2014, como contrapartida de São Paulo para renovar o contrato com a F-1 até 2020. A reforma foi dividida em três fases. Primeiramente, toda a pista e o pitlane, local usado para recepção dos carros, foram recapeados, a entrada dos boxes foi alargada e ampliada, e foi criada uma área de escape no “S” do Senna com cerca de 10 metros e alteração de traçado da saída dos boxes. O segundo estágio foi a construção de um novo paddock, que triplicou o espaço para as equipes.


No ano passado, como etapa final da obra, a área dos boxes passou por uma remodelação. O local ganhou um teto 80 centímetros mais alto e portas elétricas em vez de manuais, paredes móveis, além do piso novo no prédio, mais claro, e iluminação de LED. Falta, ainda, instalar a tão esperada cobertura do paddock.

PALCO DE TÍTULOS – O GP do Brasil em Interlagos definiu o campeão do Mundial de Pilotos em seis ocasiões. Pilotando a Renault, o espanhol Fernando Alonso ficou com o título em 2005 e 2006. No ano seguinte, o finlandês Kimi Raikkonen interrompeu a sequência de Alonso para faturar seu primeiro troféu.

A mais épica das provas decisivas, e a mais triste aos brasileiros, se deu em 2008. Com o primeiro lugar e o sexto de Hamilton, Felipe Massa guiava sua Ferrari rumo ao título. Porém, na última curva, o britânico ultrapassou Timo Glock, da Toyota, fechou a prova em quinto e obteve sua primeira conquista na F-1.

Em 2009, Jenson Button superou Barrichello e garantiu a taça com um quinto lugar. A última vez que o circuito foi palco da definição do campeonato foi em 2012. Naquele ano, o alemão Sebastian Vettel se tornou tricampeão ao levar a melhor sobre Alonso.

FIM DO JEJUM – Além de Emerson Fittipaldi, José Carlos Pace e Ayrton Senna, Felipe Massa também sentiu o sabor de cruzar a linha de chegada em primeiro lugar na pista mais famosa do País. O então piloto da Ferrari foi responsável por quebrar um jejum de 13 anos sem vitória de um brasileiro em casa ao triunfar no GP do Brasil de 2006. Ele também ganhou em 2008.

MULTIUSO – Símbolo de São Paulo, o octogenário autódromo localizado na zona sul da capital não é reservado apenas para a F-1. De acordo com dados do site da Prefeitura, em 2018, o local, um dos espaços públicos mais utilizados da cidade, foi usado para 412 eventos, que vão desde corridas de diferentes categorias até festivais musicais.

O mais importante deles é o Lollapalooza, que reúne grandes artista e uma multidão de pessoas. A edição brasileira é sediada em Interlagos desde 2014. Neste ano, o evento foi adiado para dezembro em razão da pandemia da covid-19. O lugar também fica aberto para as pessoas fazerem exercícios físicos e visitas. Recentemente, ganhou um mural de Ayrton Senna pintado pelo artista Eduardo Kobra, como forma de eternizar a primeira vitória do piloto no Brasil.


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