O aumento das mortes em decorrência do coronavírus em São Paulo modificou a rotina do cemitério da Vila Formosa, o maior da América Latina. Funcionários relatam que o número de enterros diários saltou de 40 para 58 nas últimas semanas, o que significa uma elevação de cerca de 45%. Metade deles relacionada à covid-19. Além disso, os enterros são mais rápidos, a toque de caixa, com menos de dez minutos.

Uma foto aérea de mais de 150 covas rasas abertas repercutiu ontem, após chegar à capa do jornal americano Washington Post. De acordo com funcionários, a alta demanda de sepultamentos tem exigido a abertura de cerca de 90 covas por dia, o dobro do habitual.

Só na quarta-feira foram 57 enterros no Vila Formosa. Ontem, mais 52. Os números dos últimos dias superam a média de 40 antes dos tempos de pandemia. “Trabalho aqui há mais de 20 anos. Não me lembro de uma situação como essa”, diz um dos coveiros mais experientes.

No final da tarde desta quinta, os caixões chegavam com tanta rapidez que os sepultadores tiveram de pedir alguns minutos para terminar um que já ocorria, antes de começar o seguinte. Os familiares tiveram de esperar. Um dos enterros foi o do aposentado Carlos Eduardo Florencio, de 65 anos. Participaram apenas duas pessoas, o genro e o cunhado. “O caixão estava fechado, sem visor para vermos seu rosto. A madeira estava lacrada. Na hora da identificação, o corpo estava num saco”, diz o genro, que se identificou apenas como Robson Pereira.

Seu Carlos tinha problemas respiratórios e cardíacos. Ele se sentiu mal, com dificuldades para respirar nesta terça-feira. Deu entrada no Hospital Ermelino Matarazzo, onde morava, às 20h30. Morreu às 21h30. Segundo Pereira, apenas uma pessoa foi autorizada pelo Sistema de Verificação de Óbitos a participar do enterro. Diabética, mas sem sintomas do coronavírus, a mulher de Carlos não foi ao enterro. “É muito ruim ter de despedir assim tão rapidamente. E agora eu vou ter de fazer quarentena”, diz o genro.

Desde o dia 20 de março, enterros solitários e com nenhuma cerimônia se tornaram frequentes em São Paulo. Resolução da Secretaria Estadual de Saúde determina que todas as mortes com qualquer suspeita de estarem relacionadas com a covid-19 precisam seguir um protocolo rígido para garantir a segurança dos profissionais que lidam com os cadáveres.

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Mas nem isso tranquiliza os profissionais do cemitério. A chegada de um cortejo com morto por coronavírus na Vila Formosa causa apreensão. “Põe a máscara e o capuz que vem um de corona”, avisa um dos coveiros. Com máscaras e luvas, os familiares mantêm distância; nem todos ficam à beira da cova para o último adeus.

Em São Paulo, a pandemia ainda trouxe outras mudanças. Além das covas que aguardam a chegada de casos confirmados e suspeitos da covid-19, a cidade contratou 220 coveiros por seis meses para compensar o afastamento de 60% do efetivo (de 257), formado por pessoas com mais de 60 anos (e, portanto, de grupo de risco), além de um possível aumento no número total de óbitos. Cinco mil sacos plásticos impermeáveis foram comprados para envolver os corpos de vítimas ainda no hospital.

Particulares

Já em cemitérios particulares paulistanos o avanço do novo coronavírus não interferiu até o momento no volume de enterros ou na procura por jazigos, segundo relatam representantes do setor. Mas também há mudanças.

No Parque das Cerejeiras, no Jardim Ângela, na zona sul, missas, palestras e exumações estão suspensas desde a semana passada para evitar aglomerações. No administrativo, vendas presenciais estão interrompidas. No Cemitério Gethsemani, no Morumbi, o administrador Nelson Oliveira diz que a pandemia pouco tem mudado a rotina do cemitério, que realiza de três a cinco sepultamentos por dia. “Já tivemos uns três casos de covid-19, mas a rotina está tranquila por enquanto.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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