“Se vitórias já tem no passado, glórias mil há de ter no porvir”. Esses versos fazem parte do primeiro hino do Vasco, composto em 1918 por Joaquim Barros Ferreira da Silva. Na primeira estrofe, dúvida alguma. Fundado em agosto de 1898, o clube conta com uma lista de títulos que incluem uma Copa Libertadores, um Sul-Americano de Clubes, quatro Brasileiros, uma Copa do Brasil e 24 Estaduais. Já a segunda, está difícil de prever. Com sérias dívidas, o Vasco sofre com a pandemia que atingiu o mundo, e além de suspender o contrato de 250 funcionários, essa semana demitiu outros 50. Mas por que isso acontece com um clube que tem, entre outros patrimônios, a quinta maior torcida do país, segundo pesquisa Datafolha de 2019?

“É mundial a sua fama; Vasco da Gama não tem rival”. O hino exagera um pouco, mas até alguns anos atrás, não eram muitos os rivais no mesmo patamar. E eles também têm interesse nas notícias que vêm de São Januário porque não há nada melhor do que ser campeão sobre um grande adversário. Fernando Ferreira, Euler Victor e Munir Dargham, da Pluri Consultoria, desenharam a situação econômica atual do clube, e ela não é boa. Se em 2018 o Vasco apresentou superávit, em 2019 houve déficit, e o endividamento do clube já representa três vezes as receitas (R$ 639 milhões contra R$ 215 milhões). Da dívida, 39% são tributários, ou seja R$ 276 milhões.

“Com a fama que ecoa no estrangeiro, elevas o esporte do Brasil!”, dizem os versos do segundo hino do clube, escrito por João de Freitas em ano desconhecido. E eles ajudam a contar um pouco do início de todo o endividamento, que começou no fim da gestão de Antônio Soares Calçada. A fama se fez no estrangeiro, com os títulos da Libertadores e da Copa Mercosul. Por isso, em fevereiro de 98, o clube firmou parceria com Bank of America, que deveria durar dez anos, com aplicação imediata de R$ 70 milhões em São Januário. Mas, três anos depois, o projeto ruiu. Para elevar o esporte no Brasil, o Vasco montou em 1999 uma grande equipe olímpica, injetou R$ 30 milhões, mais do que o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), mas sob a alegação de que o banco devia 12 milhões de dólares, rompeu a parceria unilateralmente. A crise financeira começava ali.

A opinião de especialistas

“Tua imensa torcida é bem feliz”. Já o verso de Lamartine Babo, de 1949, não se confirma, ao menos no momento. Que outros especialistas podem explicar o momento do Vasco, que não os próprios torcedores? E é curioso perceber que, em todos os depoimentos, duas palavras se fazem presentes: administração e vaidade.

Fabiano Teles é empresário, tem 42 anos e frequenta São Januário há 37. “Meu pai, Edmo Pereira, era contador do clube e essa crise se arrasta há muitos anos. Não lembro de ver o Vasco em boa situação financeira, a não ser quando houve a parceria com o Bank of America”, diz. “Mas durou pouco, existe amadorismo em quem ocupa a cadeira de presidente e as péssimas gestões nos colocaram na situação atual”, completa, levantando uma polêmica. “O sócio tem parcela de culpa, pois no exercício da democracia, em São Januário, ele elege o presidente, mesmo que depois haja outra votação no Conselho Deliberativo”, ressalta.

Opinião divergente do jornalista Maurício Costa, 37 anos, repórter da Rádio Nacional. “Nem o sócio, nem a torcida são culpados. Tivemos gestões ruins, que deterioraram a marca ‘Vasco’. Não souberam aproveitar a força de uma torcida nacional, que sustenta o clube em todos os momentos, maior símbolo da grandeza do Vasco”, destaca. Assim como ele, o jornalista Rodrigo Campos, 46 anos, da revista Papo Cabeça, diz que “o sócio, com as mensalidades, e o torcedor, indo aos estádios, mantêm o Vasco ainda vivo. Essa crise se arrasta há mais de 20 anos, porque a política é recheada de vaidades, sem união. Os últimos presidentes usaram como álibi a diretoria anterior para tentar justificar suas falhas. Muita falta de competência em um clube que tinha tudo para ser uma grande potência”, lamenta.

“Nesta hora, a gestão atual precisa assumir a responsabilidade. Apontar os erros da administração anterior faz parte, mas não dá para se esconder atrás disso e usar a situação como justificativa. Quem se propõe a assumir alguma responsabilidade precisa pensar e assumir o bônus e o ônus”, complementa Diego Leandro, 35 anos, pastor presbiteriano. Ele também dá ao sócio e ao torcedor parcela de responsabilidade. “O sócio faz parte do sistema e pode contribuir para melhorar ou piorar a situação. Assim como o torcedor, que em alguns casos recebe incentivos em forma de ingressos e se torna conivente com os erros”, afirma.

O advogado Josias Ramos Vieira, de 39 anos, diz que “renovar os sócios se faz necessário”. Além de pedir uma auditoria profunda em todos os setores do clube, ele quer um projeto urgente para o clube se tornar empresa: “Se não tivermos um aporte de recursos urgente, penso que aderir ao projeto de clube empresa seria fundamental, para depois o clube buscar meios legais para entrar com recuperação judicial”. Tarefa que não parece ser fácil, no entender do contador Márcio Gimenez da Costa, 38 anos, sócio do clube: “O conselho permitiu a criação de grupos de dirigentes que afastaram empresários e administradores bem-intencionados”. “Como sócio, reconheço que somos coniventes, devíamos exigir nossos direitos e eu proporia um boicote. Mas a torcida também deveria participar. Três jogos sem audiência na TV e sem torcida na arquibancada já mexeria com o pensamento dos dirigentes”, propõe.

“Vascaínos, avante é lutar. Sempre o Vasco venceu quando quis”. O que fazer, então, para confirmar os versos do hino de Joaquim Ferreira da Silva? “Eu peço mais transparência nos gastos do clube e a reformulação do estatuto, de forma a termos eleições mais claras”, sugere o advogado Flávio Torres, de 39 anos. “Os dirigentes precisam levar o Vasco a sério, sem vaidade, nem interesses”, diz Fabiano. “O Estatuto do Clube tem de ser revisado”, acrescenta Márcio. “É preciso abrir a cabeça e ver gestões de sucesso em outros clubes, mas sem copiar, adaptando à realidade do Vasco”, diz Diego. “Eu gostaria de ver a união dos grandes vascaínos, beneméritos, empresários, mesmo sabendo que isso é utópico, pela vaidade que toma conta do clube”, lamenta Rodrigo. “Com uma administração competente e muito trabalho, em médio prazo vejo o clube pronto para ser novamente protagonista, como foi em toda a sua história”, finaliza Maurício.

Como escreveu João de Freitas, “dos braços rijos de teus filhos, o mar sagrou-te na história!”. João Ferreira reconhece que “quando o Vasco em qualquer desafio lança em campo o seu grito de guerra; Invencível, nervoso arrepio faz tremer o rival e a terra!”. E, quem sabe, com os conselhos dos especialistas, não se renova o verso de Lamartine Babo? “Tua estrela, na terra a brilhar, Ilumina o mar”.

* Por Sergio du Bocage, apresentador do programa No Mundo da Bola, da TV Brasil