Principais candidatos na disputa pelo comando do governo alemão, Scholz e Merz são educados e polidos, mas se deixam levar pela AfD e por extremistas ao tratar a imigração como um dos grandes problemas do país.O clima político na Alemanha anda tudo, menos ameno. O país enfrenta uma crise econômica, e a ascensão da ultradireita, representada no país pelo partido Alternativa para a Alemanha (AfD), assusta quem preza a democracia. A onze dias das eleições federais, manifestações com milhares de pessoas acontecem no país inteiro contra a extrema direita, mas também contra o candidato que ocupa com larga vantagem o primeiro lugar nas pesquisas, o conservador Friedrich Merz, da União Democrata Cristã (CDU), que tem cerca de 30% das intenções de voto.
O horror a Merz, que levou manifestantes a trocarem o já tradicional grito "todos odeiam a AfD" por "todos odeiam a CDU", aconteceu porque o parlamentar aceitou, no mês passado, o apoio da AfD para tentar aprovar um pesado pacote anti-imigração. E falhou. Isso causou escândalo no país, já que o chamado "cordão sanitário", um pacto que significa que os partidos do centro democrático não fazem qualquer tipo de acordo com a ultradireita, teria sido "quebrado" com esse ato do conservador.
Entre os críticos a Merz estava também seu principal adversário político no momento: o chanceler federal Olaf Scholz, cujo partido ocupa o terceiro lugar nas pesquisas, com entre 15% a 17% das intenções de voto. Ele, inclusive, agradeceu nas redes sociais aos manifestantes que foram para as ruas "defender nossos valores e a democracia".
Os dois nunca se deram bem e já trocaram acusações pesadas no parlamento alemão.
Foi nesse clima nada ameno que os candidatos se encontraram para um debate eleitoral considerado um duelo e transmitido ao vivo no horário nobre do domingo (09/02) pelos dois principais canais públicos de TV do país, a ARD e a ZDF. O debate tinha tudo para "pegar fogo". Mas, seguindo a tradição alemã, o clima foi ameno diante de tanta discordância. Quase chato, para quem gosta de debates eleitorais passionais.
Mas em tempos de tanto ódio político, chega a ser surpreendente ver que os dois, após o debate, ao invés de trocarem ofensas, se comportaram como políticos profissionais, se disseram satisfeitos com o debate "democrático" e afirmaram que as discordâncias "fazem parte". Os tempos estão tão malucos, que não deixa de ser um alívio ver dois candidatos falando coisas que você pode discordar (e eu discordo de várias) se comportando como o que são: adultos.
Não estou exagerando. É só lembrar do jeito como Donald Trump tratava Kamala Harris na campanha e de uma certa cidade (oi, São Paulo) onde um debate acabou com um candidato dando uma cadeirada em outro.
Pauta da extrema direita
Scholz e Merz, apesar de educados e polidos, deixaram o debate descer de nível ao passarem parte do tempo falando sobre uma das pautas mais queridas da extrema direita global, as medidas anti-imigração, enquanto poderiam falar mais de questões urgentes para o país, como a economia.
Problemas na Alemanha não faltam no momento: o país atravessa uma crise com baixo crescimento da economia, enfrenta problemas com o preço da energia, há uma guerra no continente (entre Rússia e Ucrânia)…
Ou seja, assuntos urgentes não faltam, mas os dois, apesar da educação, acabaram sendo "pautados" pela ultradireita e passaram parte do debate falando sobre imigração, uma das principais bandeiras da AfD.
Para os extremistas de direita (e também para muitos outros cidadãos da Alemanha), tudo é culpa dos imigrantes. Faltam escolas? "Culpa dos refugiados". Existe violência? "Culpa dos refugiados". Não concordo com isso de jeito algum, e os números também não comprovam essas teses. Mas é espalhando essa histeria anti-imigração e a xenofobia que a extrema direita cresce.
Assim como acontece em muitos países, inclusive no Brasil, os partidos do centro democrático vão na onda. Em busca de eleitores e querendo responder a uma opinião pública contaminada pelas ideias anti-imigração (um vírus que atinge, inclusive, imigrantes, por mais estranho que isso pareça), os dois candidatos passaram parte do debate discutindo esse tema.
E, claro, assim como toda a terra, a Alemanha precisa discutir com seriedade medidas para tentar frear as mudanças climáticas. O assunto passou em branco, o que também pode ser visto como um "ganho" da AfD, formada por negacionistas climáticos. "É relevante para os eleitores, um tema vital para o futuro governo para a Alemanha. E eles não fazem uma única pergunta sobre o clima. É inacreditável", reclamou a ativista do movimento Fridays for Future Luisa Neubauer no X. É mesmo.
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.