[Coluna] Reforma administrativa e o preço da educação

Entre discursos de modernização e cortes silenciosos, a educação brasileira paga a conta de um Estado que a coloca no mesmo balanço que o lucro.Dialogo com pesquisadores e professores de várias universidades e noto um mal-estar crescente quando o tema é a reforma administrativa em debate no Congresso . O texto promete modernização, mas na prática amplia vínculos precários e legitima contratações temporárias que fragilizam a carreira pública. Nas rodas da pós-graduação, a palavra "carreira" soa como lembrança de um tempo estável.

Quem se forma hoje em licenciatura convive com o receio de ingressar em um sistema que trata o magistério como prestação de serviço . A reforma cria um ambiente em que o servidor público se torna um prestador avaliável por metas, e não por compromisso social. Há quem veja nisso eficiência, mas noto a naturalização da insegurança e o esvaziamento do sentido público da docência.

Entre relatórios e prazos, o professor deixa de ser sujeito do processo educativo para se tornar gestor de resultados. Essa inversão redefine o ato de ensinar. O Estado, que deveria garantir estabilidade, passa a administrar o medo e premiar quem se adapta ao improviso.

O chão instável da escola pública

Na educação básica, a precarização tem nome e número. Segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, mais da metade dos docentes da rede pública é temporária, e em alguns estados o índice chega a 80%. O Plano Nacional de Educação determinava que 90% fossem efetivos até 2024, meta que se esvaiu na rotina burocrática sem resposta à altura.

Noto que nas escolas onde passo há professores que percorrem três turnos em municípios diferentes. Cada contrato é uma corrida contra o tempo, sem plano de carreira ou vínculo com a comunidade escolar. O estudante muda de professor a cada semestre e aprende, desde cedo, que a educação é instável.

Convivo com educadores que compram o próprio material e improvisam espaços para manter o ensino vivo. Enquanto isso, discursos oficiais repetem a palavra "meritocracia" como solução. O mérito, porém, é resistir num sistema que cobra muito, paga pouco e muda as regras no meio do jogo.

Universidade pública em alerta sem fim

Nas universidades públicas, a reforma administrativa reacende a ferida do desmonte do serviço público. Vejo laboratórios sem técnicos, departamentos com docentes sobrecarregados e jovens pesquisadores sem perspectiva de concurso. Segundo o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), mais de 70% dos professores federais relatam adoecimento e 40% sofrem de ansiedade.

A reforma introduz metas e bonificações como se o ensino superior fosse empresa de resultados. Essa lógica transforma o trabalho intelectual em produtividade mensurável e reduz a pesquisa ao que cabe em relatórios. O conhecimento perde autonomia e passa a disputar espaço com o lucro.

Noto que a defesa da "eficiência" virou eufemismo para o encolhimento do Estado. A educação pública, concebida como direito e sonho, é hoje colocada no mesmo balanço que o lucro. Até quando aceitaremos que o conhecimento valha menos que a ganância que o ameaça?

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito pelo professor e pesquisador especializado em educação Everton Fargoni e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.