Homens poderosos como Andrew, que são acusados de graves abusos contra mulheres e meninas, são vistos mais como "crianças problemáticas" do que como suspeitos de crimes.Entre o fim dos anos 1990 e os anos 2000, o bilionário americano Jeffrey Epstein era um dos homens mais influentes na cena dos super-ricos dos Estados Unidos. Sua ilha particular e sua mansão na Flórida eram frequentadas por muitos desses homens famosos. Ali, mantinha uma rede de sexo com mulheres mais novas, muitas delas menores de idade.
Epstein foi preso em 2019 e encontrado morto em sua cela no mesmo ano. Desde então, famosos e poderosos do mundo todo vivem sendo associados a ele. Não por coincidência, o nome de um desses homens célebres sempre aparece quando mais detalhes sobre o caso são divulgados. Trata-se do príncipe Andrew, irmão do rei Charles, filho da Rainha Elizabeth 2ª.
O nome do príncipe da realeza britânica apareceu de novo na semana passada, quando novos documentos com dados de amigos e clientes da rede de Epstein foram divulgados. Andrew, segundo os documentos, estaria em um voo particular do milionário que levou seus convidados de Nova Jersey para a Flórida, onde ficava a mansão que funcionava como uma das sedes de suas "festas com menores de idade", a maioria delas pobres e vulneráveis, que eram recrutadas por outras meninas pobres. O nome de Elon Musk também aparece nos documentos do caso.
Uma nova biografia sobre o príncipe, Entitled:The Rise and Fall of the House of York, lançada em agosto, revela mais detalhes da sua relação com Epstein. Mas nada disso é novidade. O envolvimento de Andrew com esse horror é conhecido há cerca de 15 anos, desde quando Epstein era apenas investigado.
Em 2021, ele foi formalmente processado por Virginia Giuffre, que o acusava de ter abusado dela por três vezes em 2001, quando ela tinha 17 anos. O caso foi encerrado em 2022 com um acordo onde Giuffre recebeu uma indenização milionária. Ela se suicidou em abril deste ano.
Desde então, o que aconteceu com o príncipe? Pouco. Em 2022, ele perdeu seus títulos militares e o direito de ser "tratado como alteza real". Ele foi afastado de "obrigações reais", mas continua sendo chamado de "príncipe" e vivendo em um palácio, cercado de criados e fortuna.
O caso de Andrew é um bom exemplo de como os homens ricos e poderosos são tratados quando são acusados de cometer crimes contra mulheres: uma rede de "passação de pano" é montada e dificilmente eles pagam pelos crimes de que são acusados.
Esses homens são tratados como pessoas "controversas" (como se ser acusado de crime contra mulheres fosse mais um "capricho") e a vida que segue. Eles só passam a perder um pouco dos seus privilégios quando as acusações ficam pesadas demais e podem prejudicar outras pessoas próximas e os negócios da família.
Mulheres reais massacradas
A família real britânica recebe atenção da mídia e da população no mundo todo e é um bom exemplo de como a sociedade dos poderosos funciona. No "reality show" que é a vida dos nobres britânicos, seguidos em cada passo pela imprensa de fofoca, mulheres são julgadas até pelo corte de cabelo que escolhem, caso de Kate Middleton, criticada por pintar o cabelo com mechas loiras (!!), e tratadas como "destruidoras de lares", caso de Meghan Markle, a esposa do príncipe Harry, tida como a "responsável" por ele "abandonar" suas obrigações reais.
Nesse mundo, mulheres são tratadas como "bruxas contemporâneas" e os homens poderosos como Andrew, acusados de graves abusos contra mulheres, são vistos mais como "crianças problemáticas" do que como suspeitos de crimes.
No caso de Andrew, ele continua, aos 65 anos, sendo tratado como "um príncipe problemático". De acordo com a imprensa britânica, devido às novas acusações, ele vai perder, por exemplo, o direito de "passar o Natal com a família" e ficará "invisível" em eventos reais. Sim, essa é a punição por ser acusado de abusar de meninas menores de idade em situação de extrema vulnerabilidade.
Andrew não é o único homem poderoso envolvido na trama que continua seguindo sua vida privilegiada. Na verdade, isso acontece com todos os poderosos ligados a Epstein. Entre eles, estão Donald Trump, que era seu vizinho e amigo, Bill Gates, Bill Clinton e por aí vai. Todos eles afirmaram que teriam rompido com Epstein e negam qualquer acusação. E não perdem eleições ou fortuna por isso. Já as mulheres vítimas de Epstein, algumas perderam a própria vida.
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.