[Coluna] Posse do Trump foi celebração de era das trevas

Celebração da nova presidência americana foi como filme distópico estrelado por um déspota e multimilionários egocêntricos fora de controle. Começa uma "era de ouro" do desrespeito e das fake news?"A partir de hoje será a política oficial dos EUA de que temos apenas dois gêneros: o feminino e o masculino." A frase foi dita pelo presidente dos Estados Unidos em sua cerimônia de posse, realizada na segunda-feira (20/01) em Washington, no seu discurso no Capitólio, pouco depois dele jurar sobre uma Bíblia cumprir a Constituição dos Estados Unidos.

Donald Trump recebeu aplausos. No mesmo discurso, disse que ia "trazer de volta a liberdade de expressão para a América de verdade". Logo atrás dele, junto com sua família, Elon Musk – o multibilionário de extrema direita dono do X, um dos maiores apoiadores de Trump e que integrará o governo – sorriu. Além de Musk, os bilionários Mark Zuckerberg (dono da Meta) e Jeff Bezos (dono da Amazon) também ocuparam lugares de destaque na cerimônia.

Junto com membros do novo governo e apoiadores do presidente, eles ouviram com contentamento Trump dizer que faria "o maior programa de deportação da história do país", que mandaria tropas para a fronteira com o México e que mudaria o nome do Golfo do México para Golfo da América. Ele também ameaçou "tomar de volta" o Canal do Panamá. Tudo sob aplausos e benção dos bilionários que controlam as redes de comunicação mais usadas em todo o mundo.

Megalomania exagerada até para os padrões Musk

Assistir à posse da nova presidência americana foi como ver um filme distópico estrelado por um presidente autoritário e por multimilionários egocêntricos fora de controle.

As festas foram uma celebração desse egocentrismo sem limites de Trump e seus apoiadores. "A era de ouro dos Estados Unidos começa hoje", disse Trump no Capitólio. Em outro momento, o bilionário Elon Musk – o mesmo que no momento faz campanha para o partido de extrema direita da Alemanha, a AFD – entrou dando saltos de alegria na arena onde fãs de Trump se reuniram para um "desfile", e disse: "Hoje é um grande dia, o futuro da humanidade está salvo", demonstrando uma autoconfiança e uma mania de grandeza exagerada até para os seus padrões. Para aumentar ainda mais o surrealismo, ele fez um gesto de vitória que muitos compararam com uma saudação nazista.

É assustador pensar que esses homens, com seus egos gigantes, violentos e sem noção, vão governar um dos países mais poderosos do mundo.

Sim, Trump já foi presidente antes. Mas todo mundo sabe que ele está mais forte nesse governo: sua votação foi um sucesso, ele venceu com folga. E tem ao lado os multimilionários que controlam as redes sociais, e assim, parte da comunicação do mundo.

"Era de ouro" ou era das trevas?

Donald Trump, assim como seus colegas da extrema direita do mundo todo, faz sucesso com o discurso de "volta aos bons tempos" (aqueles em que todo mundo amava gasolina e podia fazer piada sobre gays e mulheres).

Mas a era de ouro anunciada por ele na posse mais parece a era das trevas. Ela é aquela onde a diversidade de gênero é desrespeitada, os discursos de ódio e as fake news são legalizados (é disso que se trata quando ele fala em "liberdade de expressão"). Nessa nova velha era, os compromissos com o clima também são totalmente ignorados.

No mesmo dia da posse, a Casa Branca avisou que o país sairia do acordo de Paris para o clima. Trump já havia avisado que investiria em petróleo, ao contrário de todas as evidências científicas sobre a ligação entre o uso de combustíveis fósseis e o aquecimento global.

Como o surrealismo não tem limites, a trilha sonora desse filme distópico, que infelizmente é real, é feita pelo Village People, uma banda ícone da cena gay dos anos 70. Os hits Y.M.C.A. e Macho man foram amplamente usados na campanha de Trump, e o grupo se apresentou em eventos da posse.

A música Y.M.C.A. diz, entre outras coisas: "Jovem, você pode sair com todos os garotos… Jovem, coloque seu orgulho de lado… Jovem, não fique deprimido". Trump e seus apoiadores fazem uma dancinha estilo "machos" ao dançarem essa música. E o mundo prende a respiração diante de tanta masculinidade descontrolada.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente da DW.