Duas novas pesquisas mostram que eleitores tradicionais da esquerda estão economicamente mais confiantes – e mais conservadores na política. Sucesso do programa petista parece se voltar contra o próprio Lula.No momento, muita coisa corre bem na economia brasileira: o nível de desemprego é historicamente baixo; há três anos o Brasil cresce mais do que muitos outros países de todo o mundo. A inflação está basicamente sob controle; empresas investem; o Estado lançou a concorrência para grandes programas de infraestrutura que criarão novos postos de trabalho. O dólar está fraco; os agricultores provavelmente lucrarão com a política de isolamento de Donald Trump em relação à China.
Apesar disso tudo, as taxas de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva despencam, sobretudo no Nordeste, onde ele tradicionalmente é tido em alta conta.
Não há dúvida, pelas ruas quase todo mundo reclama da crise, dos gêneros alimentícios caros e dos preços em alta, em geral – o que também é verdade. Lula decepciona igualmente pela falta de ambição do programa de seu terceiro mandato. Cresce a impressão de que não há ninguém com coragem de dizer ao quase octogenário que ele vive no passado, sem perceber em que direção o mundo está se desenvolvendo.
Porém duas pesquisas publicadas nas últimas semanas demonstram de forma vívida que há uma explicação estrutural para a queda de popularidade de Lula e do PT.
Por um lado, o relatório do IBGE Pnad Contínua: Rendimento de todas as fontes 2024 mostra que naquele ano os rendimentos reais dos brasileiros mais pobres foram o que mais aumentaram. No geral, a renda mensal média per capita cresceu 4,7%, e chegou a um nível recorde desde que esses dados são computados.
Os motores de tal tendência foram o programa Bolsa Família ampliado e um crescimento robusto do emprego (mais 2,6 milhões de pessoas trabalhando), assim como um aumento sensível do salário-mínimo.
Ascensão social, veneno eleitoral para o PT?
O que, à primeira vista, parece um êxito político, paradoxalmente resulta no distanciamento crescente em relação a Lula e ao PT. Muitos antigos eleitores do PT pertencem hoje à classe média em expansão. Seus interesses são outros: alívio tributário em vez de transferência social, e esperam da política estabilidade, segurança e perspectivas de ascensão. A clássica retórica de distribuição do partido não lhes cai bem.
Exemplo disso é o rechaço do PT por parte dos trabalhadores de plataformas digitais, ou seja: motoristas do Uber, entregadores de refeições e motoboys – a rigor, seria de pensar, os típicos eleitores do Partido dos Trabalhadores.
Mas eles não querem nem ouvir falar das ofertas governamentais de um padrão social mais alto ou de contratos de trabalho fixo. De fato, isso não surpreende, já que tradicionalmente Lula esbarra em forte rejeição entre os trabalhadores autônomos de rendas mais baixas. A agenda política do presidente o desconectou de parte de seu próprio eleitorado.
O governo já está reagindo à perda de popularidade entre a classe média, com as propostas de lei para uma elevação da isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais, a criação de um novo segmento do Minha Casa, Minha Vida para famílias com renda de até R$ 12 mil mensais, novos programas de créditos e mais possibilidades de saque do FGTS.
Governo versus dedicação pessoal e Deus
Até agora, entretanto, esses anúncios não deram muito resultado. Pois a tendência de distanciamento vai se estendendo a outros fronts: uma pesquisa mostra que o PT e Lula perderam terreno entre seu eleitorado tradicional não só do ponto de vista econômico, como também cultural.
Os dados mais recentes do IBGE, divulgados em junho de 2025 com base no censo de 2022, comprovam uma persistente mudança estrutural religiosa: a percentagem de católicos entre a população brasileira caiu de 65%, em 2010, para 56,7%, enquanto a dos evangélicos subiu 5,2 pontos percentuais, para 26,9%. A parcela real pode ser até mais alta, já que diversos grupos (por exemplo, Testemunhas de Jeová) não entram nessa rubrica.
Cerca de dois terços dos evangélicos se identificaram como "pretos" ou "pardos", e uma taxa acima da média vive nas periferias urbanas, onde as igrejas evangélicas cada vez mais tomam o lugar das redes estatais ou familiares, ao promover a sensação de pertencimento, sentido e orientação.
A consequência é dramática para o PT: muitos de seus antigos eleitores fiéis nas favelas passaram a integrar comunidades evangélicas; em vez de consciência de classe, o que hoje marca seu comportamento eleitoral são visões de mundo moralistas e valores conservadores.
Conclusão: os sucessos da política anterior de Lula – redução da pobreza, mobilidade e emancipação social – o privam hoje de sua velha base eleitoral. Seus antigos apoiadores são hoje economicamente mais confiantes e politicamente mais conservadores. Esses eleitores não vão mais atribuir ao governo o aumento de seus salários ou a maior oferta de empregos, mas sim à própria dedicação ou ao Senhor Deus.
Está difícil vislumbrar como Lula e o PT vão conseguir escapar desse dilema.
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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.