[Coluna] PEC do acúmulo de cargos: ser só professor não paga as contas

[Coluna] PEC do acúmulo de cargos: ser só professor não paga as contas

"TrabalhoSenado aprovou proposta de emenda à Constituição permitindo a professores acumular cargos. Mas eles precisam ser valorizados, não de "atestado" de que são mal remunerados e de que têm que buscar outras fontes de renda.Na quarta-feira da semana passada (10/12), o Senado aprovou, por unanimidade, a proposta de emenda à Constituição que permite ao professor acumular cargos públicos remunerados.

"Seria muito bom se a remuneração fosse suficiente para a dedicação exclusiva, mas, infelizmente, não é. Todo mundo conhece a situação do professor brasileiro. Vamos dar a oportunidade de o professor trabalhar em outros cargos, desde que haja compatibilidade de horários”, diz Zequinha Marinho, relator da PEC, de acordo com a Agência Senado.

Quando li sobre a PEC me veio um mix de sentimentos e gostaria de propor, nesta coluna, uma breve reflexão sobre o tema.

Entendendo a PEC

Antes de prosseguirmos, é importante entendermos o que mudaria com a PEC. Começo sinalizando algo bem importante: não significa que professores poderão acumular qualquer tipo de emprego, como, por exemplo, contador, policial ou bombeiro.

Antes, já era possível acumular a profissão com algum outro cargo técnico ou científico, mas não era muito claro quais eram esses cargos. Acontecia, por exemplo, de um professor da rede estadual ser aprovado como técnico de assuntos estudantis em uma universidade federal e ser barrado. Assim, o grande ganho da PEC é uma maior clareza em relação a quais cargos técnicos ou científicos o professor pode acumular.

Com a PEC, o docente poderá, por exemplo, também trabalhar em uma secretaria da educação, como técnico administrativo em uma universidade ou como pesquisador de uma fundação pública.

Adaptação à realidade e não política de valorização

A PEC é cem por cento ruím? A resposta é complicada e um tanto quanto complexa. Na superfície, pensando nos professores que estão hoje na rede, e dada a realidade de baixa remuneração e desvalorização, ela pode os ajudar a conseguirem aumentar a própria renda.

Mas a que custo? E se ela corroborar a desvalorização?

É de um perigoso simbolismo uma PEC do Senado Federal que, na prática, cria saídas para a justa remuneração de uma profissão que não perpassam pelo aumento do salário em si. Na realidade, tudo o que fazem é permitir que aquele profissional acumule mais trabalho e responsabilidades.

Nessa altura, precisávamos de políticas de valorização salarial e profissional e não de adaptações à precarização e de um atestado público de que o professor no Brasil, para conseguir uma remuneração adequada, precisa conciliar sua atuação com outras funções.

Não digo que seja um retrocesso, mas me parece um atestado de que, basicamente, não podemos esperar qualquer valorização real no curto prazo. É frustrante e desanimador.

O que os professores precisam?

Quando pensamos na atuação docente, é natural associarmos com o trabalho em sala de aula, mas ele é apenas uma fração de todo o trabalho. A maior parte, infelizmente, é invisível para a maioria e, portanto, desvalorizada e subestimada. Há todo o trabalho pré-aulas, de estudo, pesquisas e preparação de material; assim como um trabalho depois da aula, com burocracias do sistema e tempo gasto corrigindo provas e atividades.

Dentro desse contexto, tudo o que os docentes menos precisam é de ter a agenda preenchida com mais cargos e atividades. Simplesmente não há tempo.

Os professores não precisam do direito de acumular mais cargos, mas sim de serem valorizados e respeitados por sua atuação enquanto professores. Precisam saber que terão a oportunidade de uma vida digna e confortável oriunda do salário docente e não precisarão se preocupar em procurar outras fontes para fechar as contas no fim do mês.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.