Ao que tudo indica, o dono do X, Elon Musk, está forjando uma rede global de políticos de direita "anti-establishment" e multibilionários. Sua videochamada com a líder da AfD foi um passo ousado na criação desse clube.Talvez acalme algumas cidadãs e cidadãos mais exaltados eu lembrar que Elon Musk não está se imiscuindo apenas na política do Brasil. Ele não bate de frente só com o juiz Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes ou com o presidente Lula, mas também com políticos britânicos e alemães.
Durante 75 minutos, ele conversou online e ao vivo com Alice Weidel, candidata da Alternativa para a Alemanha (AfD) à chefia do governo alemão. Antes, Musk afirmara repetidamente que esse partido, o mais à direita no espectro político nacional, era o único capaz de salvar o país.
A Alemanha escolherá em 23 de fevereiro seu novo governo, e a AfD ocupa o segundo lugar nas intenções de voto, com 22%. O fato de o americano, dono da plataforma X, estar fazendo propaganda eleitoral de graça para a sigla talvez seja uma infração das leis alemãs. No momento, o caso está sendo examinado.
Mas a conversa foi bem decepcionante. Musk não tem a menor ideia da política alemã, e Weidel mal conseguia controlar os risinhos, tamanha a alegria pelo golpe de publicidade que estava dando. De qualquer modo, a questão não eram conteúdos, mas sim provocar, e mostrar que a AfD é parte de uma rede mundial composta tanto por políticos muito de direita como de multibilionários com marcas globais.
A direita global e seu clubinho dos injustiçados
No núcleo mais central do "clube" organizado por Musk está não só o presidente americano eleito, Donald Trump, como Javier Milei, o mandatário da Argentina, que não se encaixa em nenhuma categoria.
Quem também gostaria de integrar o clubinho é o clã Bolsonaro, que vem tentando desesperadamente provar que Jair Messias foi convidado de fato para a posse de Trump (e por isso quer que Moraes lhe devolva o passaporte).
Ou seja, são indivíduos que afirmam: A) pertencer à ala anti-establishment e B) ser tratados de modo desleal pela imprensa ou pela Justiça. E, no caso, a alegação de Trump ou Musk de serem anti-establishment soa tão bizarra quanto a de Bolsonaro sobre eleições presidenciais manipuladas.
O ex-presidente brasileiro e seu clã venceram tantas disputas eleitorais nos últimos 35 anos que atualmente a família e seu círculo de amizades se tornaram políticos de carreira e pesam no bolso dos contribuintes. Menos anti-establishment, impossível.
Também Weidel apresenta estranhas contradições: os alemães são "escravos" dos Estados Unidos, afirmava ela apenas dois dias antes da videochamada com Musk – o qual, afinal, também é cidadão americano. Além disso, teria provocado "dor física" na ultradireitista ver quão injustamente a mídia e a política da Alemanha trataram Trump, o amigo de Musk. Mais autoescravização voluntária em relação a americanos como Musk e Trump, não é possível.
Alice Weidel e os Bolsonaros vão, sem dúvida, se entender bem nesse clube. Ambos acreditam, por exemplo, que Adolf Hitler era, na verdade, de esquerda, até mesmo comunista.
Tempos estranhos, estes, e desconfio que as mídias sociais sejam também culpadas por eles estarem cada vez mais estranhos. Quem berra alto e se declara vítima ganha simpatias e eleições. Isso vale tanto para a esquerda como para a direita, por todo lado os ânimos estão exaltados, no momento.
Aqui na minha casa decidimos desconectar as redes sociais imediatamente. Vai fazer bem para a nossa saúde mental. E, de qualquer modo, dinheiro para um Tesla, a gente não tem mesmo.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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