[Coluna] O Oscar despertou o hooligan digital dentro de nós

[Coluna] O Oscar despertou o hooligan digital dentro de nós

""VocêBrasileiros, quando frustrados, parecem torcedores de futebol violentos. Não sabemos perder. Lidamos com nossa frustração atacando em bando aqueles que "roubaram nosso prêmio". Mas somos melhores do que isso – ou não?"Péssima escolha", "Roubo geralmente a gente não posta, é crime!", "O Brasil jamais esquecerá". Esses são alguns dos mais de mil comentários publicados por brasileiros num post do Instagram da Academia do Oscar, que exibe uma foto da atriz Emma Stone com a vencedora do troféu de Melhor Atriz de 2025, Mikey Madison, publicado na última sexta-feira (07/03). As mensagens, obviamente, reclamam do fato de Fernanda Torres, "ídola" do país (merecidamente), não ganhar o prêmio a que concorria.

Todos torcemos por Fernanda Torres no Oscar. Perdemos. Acontece. Mas, para muitos, não bastou ficar meio frustrado e ao mesmo tempo feliz com o fato de o filme Ainda estou aqui ganhar o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro. Foi preciso praticar um esporte em que o Brasil arrasa e que virou mania nacional: os ataques e críticas online feitos em bando. Até hoje, quando escrevo, uma semana após a cerimônia, os ataques continuam.

Nosso comportamento de hooligans online – os torcedores de futebol violentos – parece ter provocado um fato inédito: no dia do Oscar, a Academia teria postado no Instagram uma foto de Mikey Madison como melhor atriz direcionada apenas para os Estados Unidos. Os feeds no país e no Brasil foram comparados, e a diferença foi comprovada pela imprensa brasileira. A Academia não se manifestou. Os usuários brasileiros acusaram a instituição de temer nossos ataques.

Como bandos de gafanhotos online?

Se esse for o caso, vamos combinar: os organizadores do Oscar não estão sem razão. Num post com a atriz (e em quase todos os posts da página da Academia) há comentários raivosos e ataques. "Você nunca mereceu o Oscar, devolva!" "Seu vestido é da Shein". Muitos falam também que a vitória de Madison foi um caso de etarismo, já que ela, com 25 anos, ganhou de veteranas como Demi Moore, 62, e Fernanda Torres, 59.

Essa é uma discussão válida e que faz sentido. Também não estou dizendo que a Academia do Oscar não seja machista e não privilegie filmes americanos. Isso é fato. Agora, atacar a atriz que ganhou não tem a menor justificativa. E atacar outra mulher nunca seria uma resposta boa a etarismo ou qualquer outro preconceito, certo?

Fernanda Torres, inclusive, uma mulher madura e sábia, fez um apelo para que os brasileiros mandassem amor para Mikey, segundo ela, uma mulher "muito legal". Ela está certa em tentar proteger a colega, já que esses ataques costumam começar com piadas, mas facilmente descambam para preconceitos, xingamentos e até ameaças. Precisamos disso?

Essa não é a primeira vez que brasileiros agem assim. E nem a última: Nas redes sociais, quando perdemos ou ficamos chateados com algo, "quebramos tudo", agimos em bando. A conduta dos brasileiros online é descrita por alguns como "comportamento de colmeia", ou de gafanhotos.

Pode ser exagero. Mas uma coisa é fato: essas agressões, em geral, não parecem nada racionais. Os surtos online que acometem brasileiros quando frustrados parecem ataques de torcedores violentos de futebol, só que do mundo virtual. Não sabemos perder. Lidamos com a nossa frustração atacando em bando aqueles que "roubaram nosso prêmio". Somos melhores do que isso, não?

Campeões de engajamento

Claro que o engajamento brasileiro nas redes sociais tem vários lados positivos. Somos vistos como exemplo mundo afora e uma espécie de sonho para os especialistas em marketing, por conta do burburinho que somos capazes de causar online. O engajamento dos brasileiros ajudou, inclusive, o filme Ainda estou aqui e a atriz Fernanda Torres a ficarem conhecidos no mundo todo, o que é ótimo, temos mais que nos orgulhar dos nossos patrimônios.

Talvez esses surtos aconteçam porque de fato temos uma personalidade empolgada e participativa, mas pode ser que seja só pelo fato de o Brasil ser um dos campeões mundiais no uso de redes sociais. Cada brasileiro passa em média 5 horas e 28 minutos no celular. Só nas Filipinas a média é maior. O país está também na lista dos campeões de usos de redes sociais. De acordo com um estudo da Comscore, ele é o terceiro consumidor de mídias sociais do mundo, só perdendo para a Indonésia e a Índia.

Esse uso excessivo de internet, sabemos, pode causar danos à saúde mental. Mas também tem seus lados positivos. Em termos de negócios, o Brasil é considerado um gigante das redes sociais, fazemos memes melhor do que ninguém e damos muita risada online. Mas precisamos aprender a perder e a engolir o choro sem atacar. A gente não vai ganhar nada "botando medo" nas pessoas. Acho que conseguimos melhorar.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente da DW.