Texto em debate no Congresso propõe dobrar gasto em relação ao PIB e atingir meta por aluno da OCDE. Amarras do novo arcabouço fiscal, porém, criam risco de repetir promessas não realizadas.A Câmara dos Deputados está debatendo o novo Plano Nacional de Educação (PNE), que definirá as metas e estratégias da educação brasileira até 2034 e em eixos como alfabetização, ensino integral, infraestrutura, formação e valorização docente, além do compromisso inédito de enfrentar desigualdades de acesso e permanência entre grupos étnico-raciais. O texto já recebeu mais de 3 mil emendas.
Uma meta ambiciosa é a de financiamento: o plano prevê dobrar o investimento público em educação até alcançar 10% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim da década – uma promessa já feita em planos anteriores, mas nunca cumprida. Hoje, o gasto com educação no Brasil está em torno de 5% do PIB.
E mais ousada ainda é a meta de alcançar a média anual de investimento por aluno dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): enquanto o Brasil investe cerca de 3,6 mil dólares por aluno por ano, a média da OCDE é de 11,9 mil dólares – mais que o triplo.
No papel, é inspirador. Mas há uma pergunta que não quer calar: dentro das amarras do novo regime fiscal, o PNE caberá no Orçamento ou ficará apenas na retórica?
O que está em jogo: promessa e impasse orçamentário
O Brasil aprovou em 2023 o novo arcabouço fiscal, que limita o crescimento das despesas federais a 70% do aumento real da arrecadação, até o máximo de 2,5% por ano acima da inflação.
Isso significa que, mesmo com o crescimento da receita, o espaço para ampliar gastos públicos será sempre menor que essa elevação – e isso vale para todas as áreas, inclusive a educação.
Esse mecanismo entra em choque com a vinculação constitucional que obriga a União a destinar, ao menos, 18% da receita de impostos à educação. Antes, a vinculação garantia que o financiamento da pasta crescesse proporcionalmente à arrecadação, mas o teto imposto pelo novo arcabouço fiscal rompeu com essa lógica, fazendo com que a educação dispute uma fatia cada vez menor do bolo orçamentário.
Dessa forma, não há espaço fiscal para duplicar o financiamento previsto no PNE. E a ameaça ao direito à educação pública é real. A experiência recente mostra como regras fiscais podem asfixiar o setor: de 2017 a 2022, sob o teto de gastos aprovado no governo Michel Temer, a educação acumulou perdas de R$ 57 bilhões, aprofundando o sucateamento do ensino público.
Mesmo com regras mais flexíveis, o novo regime repete a lógica de limitar despesas sociais. Sem recursos suficientes, as metas do PNE – que dependem justamente de mais financiamento – tornam-se inalcançáveis.
Custo da escolha política: risco de virar mais um plano no papel
Em um país com profundas desigualdades sociais como o Brasil, a educação é um motor fundamental de mobilidade para crianças e jovens mais pobres, que dependem do ensino público. Restringir recursos significa frear oportunidades e perpetuar o ciclo das desigualdades educacionais entre as gerações.
Sem atingir a meta de financiamento, o novo PNE corre o risco de seguir o mesmo destino dos anteriores: boas ideias que nunca saíram do papel.
E aqui a contradição salta aos olhos: o governo Luiz Inácio Lula da Silva se apresenta como progressista, mas não colocou a educação no centro das prioridades orçamentárias. O ajuste fiscal, mais uma vez, recai sobre as áreas sociais, enquanto os gastos financeiros com a dívida pública consomem quase metade do orçamento federal.
O PNE tem boas metas, mas sem orçamento, acaba sendo um conjunto de promessas vazias. Sem recursos, não há política pública – e sem política pública, o direito à educação seguirá sendo um projeto inacabado no Brasil.
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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1.
Este texto foi escrito por Michele dos Santos Silveira – Doutoranda e Pesquisadora em Políticas Públicas do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)