[Coluna] Morte de jovem negro pela polícia revolta Alemanha

[Coluna] Morte de jovem negro pela polícia revolta Alemanha

"FloresJovem foi morto por um policial em Oldenburg com quatro tiros disparados pelas costas. Muitos (e eu me incluo) associam sua morte ao racismo.Moro ao lado de um parque em Berlim que é ponto de encontro de centenas de jovens e adolescentes. Eles são, em sua maioria, brancos e, de vez em quando, perdem os limites (como é comum entre os jovens), quebram garrafas, brigam e por aí vai.

Há algumas semanas, carros de polícia e ambulâncias ocuparam a entrada do parque. Fui ver o que acontecia e encontrei policiais e bombeiros pedindo, com paciência, para que os jovens embriagados fossem para casa. Depois, minha enteada de 18 anos me contou que alguns "idiotas metidos a gangsters" (palavras dela) tinham usado uma faca para praticar pequenos furtos. Alguns foram presos. Mas o clima continuou relaxado no local e as risadas seguiram.

Lembrei desse clima amistoso entre policiais e jovens (que considero o certo, e acho que deveria valer para todos) quando li as notícias sobre a morte de Lorenz A. O jovem de 21 anos foi morto pela polícia em Oldenburg, no noroeste da Alemanha, com quatro tiros disparados pelas costas por um policial de 27 anos. Muitos (e eu me incluo) associam sua morte ao racismo.

O caso aconteceu no domingo de Páscoa, 20 de abril, e causa justa revolta, choque. O assassinato motivou manifestações em todo o país. Os fatos que ocorreram naquela madrugada ainda têm versões que diferem em detalhes importantes.

O que se sabe por enquanto: o garoto foi barrado em uma boate no centro de Oldenburg. Em seguida, teria discutido com os seguranças, usado spray de pimenta contra eles e fugido. A polícia foi chamada. O Ministério Público da cidade disse que ele teria usado uma faca para ameaçar quem se aproximava. Ele teria abordado os policiais de "forma ameaçadora" e borrifado spray de pimenta contra os agentes. Mas, de acordo com reportagem do site da revista Der Spiegel, a faca não apareceria nas mãos de Lorenz em vídeos que são analisados pela polícia. Ela teria sido encontrada em seu bolso.

A investigação ainda não foi concluída. Imagens de câmeras estão sendo analisadas pela polícia e testemunhas estão sendo ouvidas. O policial que cometeu os disparos foi suspenso e será investigado por homicídio.

Nada justifica a morte de Lorenz. Ele usar uma faca para ameaçar policiais, por exemplo, não dá aos agentes o direito de o matarem.

Se fosse um jovem branco?

Mas, é óbvio, temos que perguntar: Lorenz teria sido assassinado se fosse um jovem branco? Acho que não (e não estou sozinha nessa). Um policial alemão atiraria em um jovem "arruaceiro" na balada se ele fosse loiro de olho azul? Acho difícil.

Mesmo que o policial não tenha sido "conscientemente racista", é muito possível que ele tenha visto um jovem negro como "mais ameaçador" do que veria um jovem branco. É assim que acontece. Na Alemanha e no Brasil, onde o racismo é estrutural.

Em todo o país, manifestantes associam a morte de Lorenz ao racismo. No último fim de semana, cerca de 10 mil pessoas se reuniram em Oldenburg para pedir justiça por Lorenz. Outras manifestações foram registradas em várias cidades. Aqui, o fato de um jovem ter sido morto pela polícia é um grande escândalo, e não algo banal. Pelo menos isso.

No local de sua morte, flores, velas e cartazes foram colocados, como em um memorial. Nos jornais, há fotos dos amigos de Lorenz chorando abraçados. Eles esperam que o policial seja punido. É o mínimo.

Baixa letalidade policial

Na Alemanha, mortes desse tipo pela polícia são raras. O índice de letalidade policial é baixo. Em 2023, nove pessoas foram mortas pela polícia, de acordo com a Faculdade Alemã de Polícia. Ainda não há números oficiais de 2024 e 2025. De acordo com a imprensa alemã, ao todo, 141 pessoas foram mortas pela polícia no país desde 2015.

Parece pouco, ainda mais quando comparamos com países como o Brasil, onde, de acordo com dados da Rede de Observatórios da Segurança, ao menos 4.025 pessoas foram alvo da letalidade policial em 2023. Destas, 87,8% das vítimas eram negras. O que acontece no Brasil é uma situação de guerra. Mas, em comum com a Alemanha, o racismo não pode ser tolerado.

_____________________________

Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.