[Coluna] Após matança no Rio, entra em cena a disputa política

[Coluna] Após matança no Rio, entra em cena a disputa política

"MortosA operação policial que deixou mais de 100 mortos no Rio revela as profundas divisões políticas: enquanto o campo da direita aposta na violência, o governo Lula pena para definir uma posição clara sobre segurança públicaAs mais de cem mortes resultantes da operação policial nos complexos da Penha e do Alemão mostram até onde pode chegar o nível excessivo de violência no Rio de Janeiro.

Ainda está fresca na memória a comoção causada pela operação no Jacarezinho, em maio de 2021 — naquela ocasião, "apenas" 28 pessoas foram mortas. Agora são pelo menos 121, talvez mais. A escalada da violência é chocante.

Sabe-se há muito tempo que o campo da direita — agrupado em torno de Jair Bolsonaro, seus filhos, o governador fluminense Cláudio Castro e outros líderes estaduais — aplaudem esse tipo de ação policial letal.

Da mesma forma, é igualmente claro que a ala dos ativistas de direitos humanos e dos políticos de esquerda, incluindo o governo Lula, repete quase como um mantra críticas à desproporcionalidade dessas operações.

Divisões

Mas as divisões que agora se abrem entre os dois campos políticos fazem temer o pior para o futuro. Em vez da necessária cooperação entre os governos, o campo da direita parece empenhado no confronto, enquanto o da esquerda luta para encontrar uma posição clara.

O governador Castro acusou o governo Lula de ter deixado o Rio de Janeiro sozinho no combate ao narcotráfico. Segundo ele, o governo federal teria se recusado a fornecer veículos blindados ao estado. Brasília se defendeu dizendo que não houve nenhum pedido oficial.

Além disso, nenhum agente da Polícia Federal participou da operação — porque o "protocolo" da ação foi considerado inadequado de antemão. "Entendemos que não era o modo que a Polícia Federal atua, o modo de fazer operações", justificou o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues.

Enquanto isso, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, criticou que as informações sobre o planejamento da operação não foram compartilhadas pelos canais adequados entre o Rio de Janeiro e Brasília. Fora isso, pouco se ouviu sobre o governo federal na distante Brasília.

Parte disso se deveu ao fato de que o presidente Lula estava em viagem de retorno da Ásia e passou cerca de 15 horas praticamente incomunicável. Mas, mesmo após as primeiras reuniões na noite de terça-feira, Brasília ainda parecia não saber muito bem como reagir aos acontecimentos.

Direita aposta na violência

O governo está caminhando sobre ovos. Quer se distanciar do massacre, pelo qual o governador Castro é responsável. E se envolver diretamente no caos do Rio de Janeiro significaria, mais cedo ou mais tarde, ter sangue nas próprias mãos.

Ao mesmo tempo, o governo sabe que muitos cidadãos apoiam ações duras contra o narcotráfico. A expressão "direitos humanos" já se tornou, para muitos brasileiros, uma espécie de palavrão: quem os defende — como faz o campo de Lula — é rotulado de simpatizante de bandidos.

Durante a campanha eleitoral de 2022, Lula já sofreu com a acusação de simpatizar com criminosos das favelas cariocas. Somou-se a isso sua infeliz declaração da semana passada, de que traficantes também seriam, em última instância, vítimas daqueles que compram drogas. Com essa fala, o presidente pretendia criticar os ataques do Exército norte-americano a barcos que supostamente pertencem a traficantes na costa da Colômbia e da Venezuela.

Depois, aliados de Lula tentaram de alguma forma contornar o dano das declarações. Mas, para muitos cidadãos, permanece a impressão de que a esquerda se esquiva do debate sobre segurança pública e enfrentamento contra o crime organizado. "Os partidos progressistas, de esquerda e centro-esquerda, erram ao não enfrentar o debate da segurança pública", advertiu o presidente do PT, Edinho Silva, em entrevista na quarta-feira.

Enquanto o campo da esquerda está tomado por disputas internas, a direita se mostra confiante. Há alguns dias, o senador Flávio Bolsonaro escreveu nas redes sociais que sentia "inveja" dos ataques realizados pelos EUA nas costas da Colômbia e Venezuela, e expressou o desejo que os norte-americanos fizessem o mesmo na baia da Guanabara.

E não foi Donald Trump, mas sim o aliado bolsonarista Cláudio Castro quem executou o tão desejado golpe mortal.

A ação parece até mesmo um sinal à administração Trump de que o campo político da direita brasileira também está disposto a enfrentar as facções com violência — ao contrário do governo Lula, ao qual Castro e seus aliados tentam incutir a imagem de simpatizantes de traficantes. Assim, o clima entre os dois lados ficou ainda mais venenoso após os acontecimentos de terça-feira.

Seria temeroso que os governos estadual e federal não consigam superar sua antipatia mútua para desenvolver um plano conjunto, tão necessário, de combate às facções criminosas. Estas já se espalharam por todo o país. Alguns especialistas até falam em uma "mexicanização" do Brasil — um processo gradual de tomada de controle pelo narcotráfico.

Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há mais de 25 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, desde então, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há doze anos.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente da DW.