Para definir a exposição Abstração: a Realidade Mediada, que será aberta no sábado, 8, na Galeria Millan, o curador Rodrigo Naves recorre a uma frase de Hegel: “A coruja de Minerva levanta voo ao cair do crepúsculo”. O crepúsculo como transição, quando ainda não caiu a noite, nos permite, como a coruja, ver melhor no escuro e saber para onde queremos ir. E os nove artistas escolhidos por Naves para a mostra – cinco mulheres e quatro homens – são veteranos com muita história, experiência e senso de direção, movendo-se no escuro, num território entre figuração e abstração.

Naves esclarece que são apenas nove artistas por limitações físicas da sala de exposição, mas poderia ter escolhido 50 nomes. Tem história para isso. Um dos principais críticos em atividade no Brasil e grande professor de arte, Naves escolheu artistas com afinidades entre si, que mantêm um diálogo fértil e constante: Cássio Michalany, Elizabeth Jobim, Germana Monte-Mór, Helena Carvalhosa, Laura Vinci, Nelson Felix, Paulo Monteiro, Paulo Pasta e Renata Tassinari.

Quase todos, com exceção de Helena Carvalhosa, começaram a carreira nos anos 1980, época do renascimento da pintura após um longo período de domínio da arte conceitual e de reinado da professora e ensaísta norte-americana Rosalind Krauss, que se propôs a recontar a história do modernismo num tom dissonante ao de Ruskin, desafiando o próprio mestre Clement Greenberg, defensor da pintura.

“Já ouvi muito coveiros matando a pintura desde então, mas ela não morre, como provam Agnes Martin e Sean Scully.” A canadense Agnes Martin viveu 92 anos, pintando sem cessar. O americano de origem irlandesa Sean Scully está vivo e ativo como nunca. Os dois são lembrados pelo curador como vetores dessa geração de pintores brasileiros hoje consagrados.

De fato, é possível identificar tanto a presença de Agnes Martin como a de Scully na pintura de Paulo Pasta. Cássio Michalany, observa Naves, “por vezes utiliza faixas próximas às de Pasta e Renata Tassinari”. O curador tira proveito dessa proximidade, reforçando essas afinidades na montagem da mostra – discreta, sem ostentação. Ou seja, uma mostra coletiva que vai na contramão da estridência contemporânea, da arte política que se explica, segundo o curador, “pela ausência de políticas propriamente ditas que estejam à altura dos dilemas atuais, tão diferentes das revoluções dos séculos 19 e 20”.

Embora Naves esteja falando de rupturas estéticas, não há distinção, para ele, entre figuração e abstracionismo, como prova o título de sua exposição. E cita exemplos: as obras antigas de Elizabeth Jobim (2001/2003) baseiam-se na observação de pedras irregulares, as naturezas-mortas de Helena Carvalhosa, que adotam modelos reais, se transformam num embate abstrato entre as cores.

A escultura de Laura Vinci, que cita a tradição, renova sua linguagem, ao usar mármore e maçãs reais, e por fim, as “flautas”, também de mármore, de Nelson Felix, não são simulacros do real, mas evocações de uma linguagem abstrata, a música. Ressignificação é a palavra. “As permutações cromáticas de Cássio Michalany não são minimalistas, mas espelham a sociedade contemporânea e seu caráter, ao fugir da certeza de que a arte, muito mais que política, é crítica”, conclui Naves.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.