Num texto publicado há alguns anos, o crítico Ronaldo Brito, destacando a ressonância da gravura de Goeldi entre os contemporâneos, escreveu que sua obra “é a única que mantém um diálogo vivo com a arte moderna brasileira, desde que ela atinge a sua maioridade, no início dos anos 1950, até nossos dias”. E citava uma série de artistas que, de alguma forma, fizeram uso dessa herança: Amilcar de Castro, Iberê Camargo e Lygia Pape, que, nos anos 1960, segundo Brito, fizera uma associação original entre a xilogravura brasileira, inspirada em Goeldi, e o construtivismo geométrico. Como prova disso associou uma premiada xilogravura de Goeldi, Silêncio (1957), a outra xilo de Lygia Pape, Tecelar (1958), que faz referência ao mestre com linhas diagonais e quadrados que remetem às janelas e linhas das casas da paisagem saturnina do artista – uma paisagem com dois solitários que Brito define como sua versão pessoal de “minimalismo expressionista”.

Goeldi e Lygia Pape foram amigos íntimos. Ela e o marido, o químico Günther, colecionavam as xilogravuras do artista, nascido no Rio de Janeiro em 1895 e morto na mesma cidade, em 1961. E é parte dessa mesma coleção que o marchand Paulo Kuczynski exibe, a partir desta quinta (7), em sua galeria. São 62 obras (gravuras e desenhos) compradas por ele e mais dois amigos (Afonso Costa e Gerard Loeb) há mais de 30 anos e outras 26 pertencentes a outros colecionadores.

Muitas dessas 88 obras estiveram presentes em exposições históricas (Brasil 500 Anos, entre elas). Outras são praticamente desconhecidas do grande público, mas todas igualmente importantes – a ponto de despertar o interesse de um museu, que entra na disputa com colecionadores. Silêncio, a citada xilogravura que foi premiada na segunda edição da Bienal Interamericana do México, em 1960, está na exposição. É uma oportunidade única de atestar a proximidade de Goeldi e Lygia Pape e confirmar a observação de Ronaldo Brito em relação à “redução formal” de Goeldi destacada pelo crítico.

Sobre essa redução estar associada invariavelmente à condição existencial do homem moderno, inserido num cenário hostil, outro grande crítico que escreveu a respeito de Goeldi, Rodrigo Naves, destaca a solidão que as figuras marginais, beckettianas, do artista – prostitutas, carroceiros, bêbados, ladrões – não conseguem ocultar.

Uma “gravidade sombria”, observou Naves, “recobre o mais banal dos atos” nas gravuras de Goeldi, em que a morte revela seu perfil “agourento”, ameaçando a todos com sua presença ostensiva. É possível notar nessas gravuras traços de artistas como o expressionista austríaco Alfred Kubin (1877-1959) e o belga James Ensor (19860-1949).

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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