A exemplo do suíço Robert Frank, o fotógrafo brasileiro Sérgio Poroger concluiu que a melhor forma de conhecer o lado mais profundo dos Estados Unidos era colocar o pé na estrada – mais especificamente, na Rota 61, conhecida como a Blues Highway por razões óbvias. Em 2014, o paulistano Poroger, que completa 60 anos em agosto, viajou por mais de 3 mil quilômetros, atravessando os estados da Georgia, Tennessee, Mississippi, Louisiana e Texas, registrando desde paisagens desoladas, que fazem lembrar as do filme A Última Sessão de Cinema, de Peter Bogdanovich, até cidades da noite onde pulsa o jazz e vibram as luzes de néon, o que evoca outro célebre fotógrafo, o norte-americano William Eggleston.

“Tanto Robert Frank como Eggleston marcaram meu imaginário quando decidi virar fotógrafo há dez anos”, conta Poroger, ex-repórter do Jornal da Tarde que, atraído pela musicalidade do sul dos EUA, decidiu pesquisar a região por dois anos, antes de partir para a aventura e publicar seu primeiro livro, Cold Hot. “Ao chegar, verifiquei que o pobre cenário sulista contrastava tremendamente com a riqueza musical da região e, ao voltar, resolvi mostrar esse lado desolador, presente também nas fotos de Robert Frank, ao lado de imagens em que a vida pulsa com intensidade”.

Tudo na região, segundo Poroger, parece se submeter à lógica da música, seja jazz, blues ou rock. É como se a arquitetura fosse moldada pelos costumes dos moradores sulistas que, segundo o fotógrafo, “gostam de conversar, são descontraídos e parecem felizes”, como o casal que troca um beijo apaixonado em frente a uma vitrine iluminada de Memphis, terra do mítico Frank Stokes (1888-1955), considerado o pai dos guitarristas de blues.

Contrastando com esse cromatismo saturado, a primeira foto que Poroger registrou nos EUA, a de um mercadinho em Atlanta, Georgia, é uma composição minimalista, quase geométrica, que parece saída de um filme da nouvelle vague francesa fotografado pelo veterano Raoul Coutard, hoje com 91 anos, mesma idade de Robert Frank. “Pensei nesse contraste do cold e hot, do frio e quente, ao entrar num banheiro num dia gelado, em Clarksdale, Mississippi, onde estavam escritas essas palavras na parede”, diz Poroger, lembrando a fixação que seu ídolo Robert Frank, o fotógrafo da geração beat, tinha em banheiros e geladeiras.

O contraponto de Frank seria, naturalmente, Eggleston, um dos pioneiros no uso da cor saturada que abriu novas perspectivas para a fotografia americana, ao explorar a orgia cromática característica da modernidade nos EUA – nos anos 1960, ele retratou em cores vibrantes outdoors, placas de motéis e os cadillacs que circulavam pelas estradas, além dos shopping centers de subúrbios.

Poroger revisitou lugares que viraram verdadeiros santuários da música americana, entre eles a encruzilhada entre as rotas 61 e 49, em Clarksdale, Mississippi, onde o guitarrista Robert Johnson (1911-1938) teria feito um pacto com o demônio para ser o melhor em seu instrumento. Há também, entre as fotos selecionadas pelo curador Eder Chiodetto, imagens de lugares como o prédio da gravadora Stax, em Memphis, Tennessee, que lançou alguns dos maiores nomes da soul music, entre eles Isaac Hayes (1942-2008), o autor da trilha de Shaft.

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Não há músicos conhecidos entre os retratados por Poroger, que preferiu gravar imagens de anônimos tocando nas ruas e clubes de New Orleans, que está no mapa da tour internacional para o lançamento do primeiro livro do fotógrafo nos EUA – Cold Hot, que traz um texto do crítico Carlos Calado, teve patrocínio do Lafayette Convention and Visitor Center, no estado de Louisiana, entre outros apoiadores. Quem quiser ver as fotos ampliadas tem ainda até o dia 3 de agosto, dia de encerramento da exposição no restaurante Le Jazz (Rua Melo Alves, 734, nos Jardins).

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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