O consumo global de vinhos está caindo, assim como sua produção. E são várias as razões para essa tendência, apontadas por analistas do mercado viticultor (voltado às terras e uvas) e vinicultor (de fabricação dos vinhos): começa no isolamento forçado pela Covid-19, quando a procura passou a ser por bebidas mais baratas, e em contraponto bate nos custos dos produtores, que começaram a gastar mais, pelo aumento de preços dos fertilizantes e também retirada de subsídios dos combustíveis, no rastro da guerra na Ucrânia.

Mudanças climáticas, como o calor extremo na Europa e inundações, também são citadas, assim como a concorrência aberta pela China e ainda a característica social da Geração Z (nascidos entre meados de 1990 e 2010), mais propensa a ingerir bebidas não-alcoólicas.

Fato é que o consumo de vinho no mundo caiu 7% em 2023 em relação ao ano anterior, de acordo com a estimativa preliminar divulgada pela OIV (Organização Internacional da Vinha e do Vinho, como é conhecida em português). Foram atingidos vitivinicultores de gerações em vários países, tão diferentes e distantes como Espanha e Austrália, mas a França — ainda a maior produtora mundial, depois de ultrapassar a Itália no ano passado — agora está na ponta dos mais prejudicados.

Os viticultores franceses assumiram a triste tarefa de arrancar até as raízes das videiras decanas de suas terras — que em muitos casos darão vez ao milho para produção de etanol ou, no mínimo, serão reflorestadas.

Esse desenraizamento começou em fevereiro, com boa parte da tradicionalíssima região vinícola de Bordeaux aderindo ao sistema financiado pelo governo francês (com 200 milhões de euros) e pelo Conselho Interprofissional de Vinhos da cidade, que prevê pagamento de até 6 mil euros por hectare para a eliminação da produção de uvas para produção de vinhos.

Esse projeto de incentivo à diversificação de culturas se mostrou um caminho, porque o custo do barril da bebida estava em 1.200 euros, com preço de venda pela metade disso.

(Guillaume Bonnaud)

Questão mundial

Riverland, região que produz um terço dos vinhos da Austrália, chegou à sua à pior safra (2022-2023) em 15 anos e segue com estoques muito altos, o que está levando alguns produtores a destruir metade de suas vinhas para cultivar melancias.

Esse país põe seus problemas na conta da Covid-19 e da China — que não veste a carapuça, porque também vê queda drástica em sua produção e consumo (menos 16%, apenas no último ano), internamente e na exportação, mesmo com preços achatados. Do outro lado do planeta, a Califórnia atravessa a pior crise do setor em 30 anos.

7%
foi a queda no consumo de vinho em todo o mundo em 2023

2 a 2,8 litros litros per capita/ano
é o que o brasileiro toma de vinho

O consumo global da bebida segue abaixo do que se produz desde 1995, como a OIV admite, mas o desequilíbrio maior veio com a pandemia e a produção de 2023 sendo a menor em 60 anos.

Os estoques aumentam, atestando a queda da demanda, e sobram críticas para quem aposta em marcas premium com a população global empobrecida, afastando uma nova geração do consumo de vinhos em favor de cervejas, destilados baratos ou coquetéis.

O que ainda parece segurar a atenção dos apreciadores de vinho são os mais leves, como brancos e rosés, em alta, assim como os espumantes. É o que se vê claramente na Espanha, por exemplo.

O enólogo Ricardo Morari diz que o Brasil acompanha a tendência de consumo de vinhos mais leves (Crédito:Divulgação )

No Brasil, os tintos também tiveram uma queda de vendas no ano passado, mas ainda não foi possível detectar se por mudança de perfil do consumidor ou de hábitos, segundo Ricardo Morari, enólogo da Cooperativa Vinícola Garibaldi e presidente da Associação Brasileira de Enologia.

O país acompanha a tendência mundial de busca por brancos, rosés e espumantes, jovens, frescos e leves, também pelo próprio clima do Brasil. E, no caso do tintos, a busca se volta para aqueles não tão potentes como no passado, por aqueles com “menos teor alcoólico, menos concentrados, não tão amadeirados” — que são mais para o dia a dia.

“Desde 2018 temos safras de boa qualidade e bom volume no Brasil. Neste ano, houve certa redução de volume, mas a qualidade se manteve”, afirma o enólogo. “E, diferentemente da Europa, o espaço é grande para o crescimento do consumo de vinhos, porque aqui a média ainda fica na casa de 2 litros per capita/ano, 2,5 ou 2,8.”

Sobre mudanças climáticas, tema de toda reunião de enólogos a agrônomos, Morari observa: “Não tivemos impacto tão grande quanto em países europeus, mas como técnicos estamos atentos. E preparados para qualquer necessidade de intervenção que se apresente em algum momento, tanto na área técnica de vinhedos como de elaboração de vinhos”.